A primeira central nuclear flutuante do mundo inicia, nesta sexta-feira (23), uma travessia de 5.000 quilômetros pelo Ártico, de Murmansk até o Extremo-Oriente russo, apesar dos temores dos ambientalistas quanto às consequências para esta frágil região.

Destinado a alimentar o desenvolvimento da produção de hidrocarbonetos em zonas bastante remotas, o “Akademik Lomonosov” zarpará de Murmansk, porto do Grande Norte russo, onde foi carregado com combustível nuclear, com destino a Pevek, pequena cidade da Sibéria oriental, no distrito autônomo de Chukotka.

A viagem deve durar entre quatro e seis semanas, dependendo do clima e da qualidade do gelo no caminho, ainda que a Passagem do Nordeste – que une o oceano Atlântico ao oceano Pacífico bordeando a costa norte da Rússia – seja cada vez mais acessível, devido ao degelo provocado pelo aquecimento global.

Sem motor próprio, o “Akademik Lomonosov”, de 21.000 toneladas, será rebocado para sua viagem. A central comporta dois reatores com capacidade de 35 megawatts cada, similares aos dos quebra-gelos nucleares, contra os mais de 1.000 MW dos reatores de nova geração.

Durante uma visita da AFP em maio de 2018, o flutuador de 144 metros de comprimento e 30 de largura, com uma tripulação de 69 pessoas, navegava a uma velocidade média de entre 3,5 e 4,5 nós (6,5-8,3 km/h).

Pintado de novo com as cores da Rússia e da Rosatom, a agência nuclear russa, o “Akademik Lomonosov” será conectado em Pevek à rede elétrica local e deverá estar em funcionamento até o final do ano.

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Ainda que a população desta cidade não passe de 5.000 habitantes, a central cobre o consumo de 100.000 pessoas e servirá, sobretudo, para alimentar as plataformas petroleiras instaladas na região. Lá, a Rússia pretende desenvolver sua produção de hidrocarbonetos.

O “Akademik Lomonosov”, cuja construção começou em 2006 em São Petersburgo antes de ser levado para Mursmansk no ano passado, substituirá uma central nuclear e uma planta de carbono obsoletas.

– “Titanic nuclear” –

Há anos, as associações ambientalistas denunciam este projeto e advertem para os perigos de um “Chernobyl flutuante”, ou de um “Titanic nuclear”. Em agosto, uma explosão em uma base de testes de mísseis no Grande Norte elevou, brevemente, a radioatividade na região.

“Qualquer central nuclear produz dejetos radioativos e pode ter um acidente, mas o ‘Akademik Lomonosov’ é, além de tudo, vulnerável a tempestades”, alega Rashid Alimov, do departamento de energia da Greenpeace Rússia.

Especialmente – ele acrescenta – porque, no Ártico, o clima é extremo e imprevisível.

“O flutuante é rebocado por outros navios, por isso, em caso de tempestade, pode haver colisões. O Rosatom prevê armazenar o combustível usado a bordo […]. Qualquer incidente teria graves consequências para o frágil meio ambiente do Ártico, sem esquecer que não há infraestruturas de limpeza nuclear lá”, completa Alimov.

Segundo ele, o distrito de Chukotka, uma gigantesca região povoada por apenas 50.000 habitantes, “tem um enorme potencial para desenvolver energia eólica e uma central nuclear flutuante é simplesmente um meio demasiado arriscado e custoso de produzir eletricidade”.

A ideia de uma central nuclear flutuante tem origem na indústria nuclear, que quer se reinventar frente ao estancamento do mercado. Hoje, desenvolve pequenos reatores, modulares e menos caros, para atrair novos clientes.

São inspirados na construção naval, que usa a energia nuclear para propulsar submarinos, quebra-gelos, ou porta-aviões, destinados especialmente às regiões isoladas com pouca infraestrutura.

É uma solução mais simples do que construir uma central clássica em um solo que permanece congelado durante o ano todo, alega a Rosatom, que pretende vender sua central flutuante no exterior.



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