A morte de Preta Gil, no domingo, 20, em decorrência de um câncer de intestino, chocou o país. Aos 50 anos, a cantora enfrentava a doença há mais de dois anos e só descobriu o problema — um adenocarcinoma — após ser internada com desconforto intestinal. Com exceção dos tumores de pele não melanoma, o câncer colorretal é o terceiro tipo mais frequente no Brasil. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), a previsão é que mais de 45 mil novos casos sejam registrados anualmente no país até 2025.
“O câncer colorretal é uma doença maligna do aparelho digestivo que acomete o intestino grosso. Na verdade, o termo ‘câncer colorretal’ refere-se ao agrupamento de dois tipos de neoplasias do intestino grosso: o câncer de cólon e o câncer de reto. Quando esse tumor está localizado em até 10 centímetros da margem anal, dizemos que é um câncer de reto. Já entre 10 e 12 centímetros dessa margem, ocorre a transição sigmoide. Acima de 12 centímetros, é um câncer de cólon”, detalha o Dr. Ramon Andrade de Mello, médico oncologista do Centro Médico Paulista High Clinic Brazil (São Paulo) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia.
“A doença é curável, principalmente nos estágios mais precoces. A doença mais localizada tem chances de cura bem maiores, enquanto, na doença avançada, as chances diminuem”, diz o oncologista à reportagem de IstoÉ Gente.
Uma das estratégias para melhorar o rastreamento da doença é a biópsia líquida, recém-chegada ao Brasil. Trata-se de um exame minimamente invasivo que, a partir de uma simples coleta de sangue, identifica fragmentos de DNA tumoral ou células tumorais circulantes (CTCs) na corrente sanguínea.
“Esse método pode oferecer respostas em situações em que exames de imagem não detectam alterações suspeitas e em casos nos quais a biópsia tradicional representa alto risco para o paciente”, explica o oncologista. “Felizmente, a técnica tem ajudado muito no diagnóstico. Esse exame possibilita obter um resultado precoce antes que o tumor seja clinicamente visível. Para o câncer, tempo é vida. Quanto mais tempo você atrasa o tratamento oncológico, mais tempo você perde em questão de sobrevivência”, explica o médico, que tem utilizado amplamente a técnica.
Segundo o especialista, os principais fatores de risco das neoplasias colorretais são obesidade, consumo de alimentos processados e um estilo de vida sedentário. “A idade também é um fator de risco importante, sendo que há maior suscetibilidade para o desenvolvimento desse tipo de neoplasia após os 50 anos”, destaca o oncologista, que ressalta a importância da realização anual de exames para o rastreamento da doença.
“O principal exame determinado pelos guidelines é a pesquisa de sangue oculto nas fezes e a realização de colonoscopia em intervalos específicos, dependendo da idade e da presença ou não de sangue oculto nas fezes. Mais recentemente, a biópsia líquida surge como um exame inovador, não invasivo, que pode ser feito por meio do sangue e detectar, em tempo real, se a pessoa tem câncer por meio da pesquisa de células tumorais. Assim, antes mesmo que o câncer apareça nos testes tradicionais — como os de sangue oculto nas fezes ou colonoscopia —, a biópsia líquida pode detectá-lo de forma muito mais precoce. E, nesse caso, as chances de cura são bem maiores”, diz o Dr. Ramon.
“Quando um tumor está em desenvolvimento, fragmentos do material genético ou células se desprendem da lesão primária e entram na corrente sanguínea. O exame é capaz de identificar essas partículas antes mesmo que lesões sejam detectadas por exames de imagem, como tomografia ou mamografia”, comenta o Dr. Ramon. “Além da detecção precoce, essa tecnologia também ajuda a monitorar a evolução da doença, identificar mutações genéticas e orientar ajustes no tratamento, especialmente em terapias-alvo e imunoterapia. Com taxa de eficácia em torno de 92%, a técnica vem sendo considerada uma aliada importante no arsenal diagnóstico e prognóstico contra o câncer”, diz o especialista.
Uma vez diagnosticado, o tratamento dependerá do tipo específico de câncer e do grau de acometimento. “O tratamento do câncer de reto pode envolver radioterapia, quimioterapia e também cirurgia. Normalmente, iniciamos com quimioterapia, cuja resposta é avaliada com exames de imagem, como a ressonância. Em seguida, podemos indicar um protocolo de radioterapia e, posteriormente, a cirurgia. Quando realizada após esse tratamento, a cirurgia tem menor risco de complicações e maiores chances de sucesso”, diz o Dr. Ramon. “Já o câncer de cólon, geralmente, é tratado logo de início com a cirurgia. Depois, dependendo do resultado anatomopatológico — ou seja, da avaliação da peça da biópsia cirúrgica —, o médico avalia a indicação ou não de quimioterapia complementar”, detalha.
Na doença avançada metastática, tanto o câncer de cólon quanto o de reto têm modalidades de tratamento muito semelhantes. “Normalmente, o tratamento é feito por terapia sistêmica antineoplásica, que inclui quimioterapia, terapias-alvo e também a imunoterapia, em alguns casos selecionados”, diz o oncologista, que explica que a escolha dependerá se a doença metastática é ressecável ou irressecável.
“Ressecável refere-se a uma metástase que pode ser retirada com cirurgia, o que não é possível na doença irressecável. Dependendo do tipo de doença metastática e da forma como está espalhada, podemos combinar tratamentos. Então, é uma doença bem complexa, mas que atualmente já conta com diretrizes importantes que permitem o tratamento com bons resultados”, pontua.
O Dr. Ramon Andrade de Mello explica que, na fase inicial, o tratamento do câncer colorretal pode levar algum tempo para ser completado, por envolver uma combinação de protocolos — geralmente entre quatro e seis meses. “Já na doença avançada, o tratamento pode durar mais de cinco anos, dependendo de cada paciente”, ressalta o especialista. “Mas podemos dizer que a doença é, sim, curável, principalmente nos estágios mais precoces. A doença mais localizada tem chances de cura bem maiores, enquanto, na doença avançada, as chances diminuem”, diz o oncologista.
Por fim, o médico acrescenta que, quando se trata do câncer colorretal, uma questão importante na escolha dos tratamentos é a biologia molecular desses tumores. “Por isso, solicitamos testes genéticos que nos ajudam a direcionar o melhor tratamento para cada caso. Os testes genéticos de RAS e de BRAF são preconizados pelas diretrizes brasileiras e americanas de cancerologia. Além disso, cada vez mais, a biópsia líquida também tem nos ajudado a identificar os melhores resultados para cada paciente”, finaliza o médico.
Relembre a luta de Preta contra a doença
Em agosto de 2023, ela foi submetida a uma cirurgia de histerectomia total abdominal para retirada do tumor. O procedimento foi considerado bem-sucedido, uma vez que o exame patológico não detectou mais células cancerígenas. No mês de novembro, Preta passou por uma nova intervenção, desta vez para reconstruir o trato intestinal e retirar a bolsa de ileostomia que vinha utilizando.
No fim de dezembro do mesmo ano, a cantora celebrou o encerramento do tratamento no intestino e iniciou a fase de reabilitação, com recomendação médica de acompanhamento regular pelos próximos cinco anos.
Recidiva e novos desafios
O cenário mudou em agosto de 2024, quando exames apontaram o retorno agressivo da doença, agora com metástases atingindo linfonodos, ureter e peritônio. Preta retomou o tratamento com quimioterapia e se submeteu a pelo menos mais uma cirurgia para retirada de novos tumores.
Ela relatou ter passado por um procedimento complexo de 21 horas em dezembro de 2024, destinado à remoção de diversas lesões espalhadas pelo corpo. A recuperação incluiu a implantação de uma bolsa de colostomia definitiva em janeiro de 2025. Após quase dois meses de internação, recebeu alta em fevereiro.
Tratamento experimental nos Estados Unidos
Em busca de alternativas terapêuticas mais avançadas, Preta embarcou para os Estados Unidos em maio de 2025 para integrar um protocolo experimental de medicina personalizada, com tratamentos realizados em Washington e no Memorial Sloan Kettering.
Desde 10 de junho, ela iniciou o uso de medicamentos em estágio final de testes clínicos. Durante esse período, a cantora compartilhou com o público relatos sobre seu progresso físico e emocional, além de agradecer pelo apoio constante da família e dos fãs.
Mesmo em tratamento, ela se manteve ativa nas redes sociais e engajada na conscientização sobre o câncer, reforçando a importância da prevenção e do cuidado contínuo.
Muito admirada e carinhosa, Preta Gil deixa seu filho, Francisco Gadelha Gil Moreira Müller de Sá — fruto de seu relacionamento com o ator Otávio Müller — além de familiares, amigos e uma legião de fãs.