10/01/2018 - 12:01
Dezenas de presos se amontoam no corredor de um presídio formando uma longa fila que termina em uma mesa servida fartamente com 146 linhas de cocaína. Um a um, os presos a aspiram em meio a um clima de festa e ostentação.
Essas imagens, registradas com o celular por um detento e publicadas nas redes sociais, integram uma antologia alucinada de vídeos divulgados nos primeiros dias de 2018, pouco depois do assassinato de nove reclusos em uma penitenciária de Goiás, que voltou a trazer à tona o descontrole do sistema penitenciário brasileiro.
A rebelião começou em 1º de janeiro, exatamente um ano depois do massacre de 56 internos em um presídio de Manaus, que deu início a um ano com muitas mortes nas prisões.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo: 726.712 presos, segundo os últimos dados oficiais de junho de 2016. Com edifícios anacrônicos e superlotados, escasso orçamento e a metade dos detentos sem pena definitiva, o Estado foi perdendo o controle para as facções criminosas.
Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas, dedicada a cuidar dos direitos humanos, considera que 75% dos centros de detenção são controlados pelo crime organizado.
“O Estado não cuida do preso, não zela pela saúde dele, coloca mais presos dentro da unidade, ele perde o controle. Perdendo o controle, quem manda é um comando paralelo”, disse ele à AFP.
“Não há scanners corporais, funcionários treinados, tem corrupção, tolerância de permitir a entrada de celulares, bebida alcoólica, drogas. E aí tem essas imagens feitas pelo próprios presos para que o Brasil veja”, acrescentou.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, reconheceu o vácuo de autoridade.
E ele sabe do que fala. Em 2017, o Exército apreendeu 10.882 armas em 31 prisões que alojavam 22.910 internos. Uma a cada dois presos.
“A metade da população (carcerária) brasileira está armada. É um absurdo incompreensível e evidentemente isso maximiza os massacres e a violência”, assinalou.
Durante essas apreensões, que usaram equipamentos de segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, foram encontrados quase 2.000 celulares e drogas em abundância.
– (In)segurança –
Os massacres de 2017 deixaram mais de 100 presos mortos em uma guerra travada dentro dos presídios de todo o país entre as facções Primeiro Comando da Capital (PCC), originária de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.
O ano de 2018 também começou violento.
Os nove internos assassinados em Goiás despertaram o temor de outras ações de violência, mas a crise foi sufocada depois de três rebeliões.
Durante o motim, 243 presos escaparam e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, teve que cancelar a sua visita à prisão na segunda-feira porque não podiam garantir a sua segurança.
As imagens que circulam na Internet incluem festas regadas a álcool e drogas em plena luz do dia, registros de homicídios e fugas, como a filmada na prisão de Luziânia, em Goiás, na qual dois homens forçam as grades de uma cela até abrir espaço para que 10 detidos saíssem.
Para Julio Waiselfiz, coordenador do programa de estudos sobre violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, o problema excede os muros das prisões.
“Nada indica que os problemas vão acabar. Haverá novas rebeliões e massacres dentro e fora das cadeias porque a crise de segurança não é exclusiva dos presídios”, disse.
O Brasil registrou 61.619 homicídios em 2016, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O dado superou o que em 2015 levou o Instituto Igarapé, dedicado à questão da segurança, a listá-lo como o país com mais assassinatos no mundo.
“O Estado não tem respostas, não tem políticas para conter essa violência”, acrescentou o sociólogo.
– Votos –
Após as rebeliões de 2017, o presidente Michel Temer anunciou a construção de novas prisões.
Esses centros separarão os presos por crimes menores dos criminosos mais perigosos – algo que não ocorre atualmente – e terão bloqueadores de celulares, que além de servirem para divulgar os festas carcerárias, são usados para comandar operações criminosas.
Investimento e segregação por periculosidade são parte das soluções propostas por especialistas, junto com mudanças na Justiça e na política.
“Os juízes acham que a solução é privar de liberdade as pessoas. Teríamos que ter juízes mais criativos, aplicando penas com uso maior de tornozeleira, regime aberto e ter menos presos provisórios”, disse Fuchs.
“Vamos ser sinceros, essa não é uma pasta que seja popular e dê votos. Nenhum governante que fala que vai cuidar do sistema prisional vai ganhar votos”, encerrou.