No dia 19 de outubro de 2016, o País assistiu à prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) como o desfecho de um capítulo da refrega política brasileira. Cunha foi um dos expoentes da queda da ex-presidente Dilma Rousseff, ao levar para o plenário o pedido de impeachment protocolado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. Não muito tempo depois, era Cunha quem também parecia cair em desgraça. Conduzido sem algemas pelos policiais federais até o avião, que decolou do Aeroporto de Brasília para Curitiba, onde cumpre prisão preventiva até hoje, o outrora inexpugnável presidente da Câmara parecia estar fora do jogo. Era só aparência. Mesmo atrás das grades, o ex-todo-poderoso do PMDB continua forte e com muita influência. Na Esplanada dos Ministérios, dois ministros pertencem a sua cota pessoal. Um dos quais, Ronaldo Fonseca (Secretaria-Geral), nomeado recentemente. Mas seus tentáculos estão presentes mesmo na Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ). Lá, é ele quem dá as cartas até hoje, emite recados e até distribui ordens da cadeia, por meio de seus advogados.

O elo

Os afilhados de Eduardo Cunha que até hoje seguem suas orientações são responsável por gerir portos do Rio de Janeiro, Itaguaí, Angras dos Reis e Niterói. Ocupam cargos estratégicos e de relevância, que deveriam ser preenchidos por técnicos, não por apaniguados. Ao todo, foram lotados mais de 30 funcionários ligados a Cunha. O resultado não poderia ser diferente: o desfiguramento técnico em prol de uma política de interesses pessoais na empresa. No caso, os interesses em questão são do ex-presidente da Câmara, preso justamente por corrupção. Encarcerado, em tese, Eduardo Cunha não poderia indicar ninguém. Ele possui, no entanto, porta-vozes capazes de prestar o serviço silencioso para ele. É o caso da deputada federal Soraya Santos (ex-PMDB e agora PR-RJ). Soraya sempre foi leal a Cunha. Não o abandonou na saúde nem na doença. Por isso, mesmo preso, Cunha assegurou a Soraya o poder de nomear quem quisesse na Companhia Docas do Rio de Janeiro. O cargo mais alto, o de diretor-presidente, é ocupado por uma pessoa indicada pela deputada: Tarcísio Tomazoni, formado em educação, alçado ao cargo no lugar do engenheiro Hideraldo Luiz, com vasta experiência em gestão de portos. Mesmo com a reprovação do seu nome pelo Comitê de Elegibilidade da companhia, que o classificou como desprovido de capacidade, ele ocupa a função até hoje.

NO TOPO Em Docas, no Rio, Cunha conseguiu emplacar Tarcísio Tomazoni na presidência

Quem faz a ponte para Eduardo Cunha é a deputada Soraya Santos, sua fiel escudeira

A deputada Soraya não é a única ponte de Eduardo Cunha em Docas. Outro elo é o deputado Altineu Cortês (PR-RJ), integrante da tropa de choque do ex-presidente da Câmara. Em abril, ele determinou a nomeação do filho do deputado federal José Priante (MDB-PA) para a Superintendência da companhia. José Benito Priante recebe salários de R$ 17 mil. “Meu filho foi nomeado por seu curriculo”, alegou José Priante. Ocorre que a nomeação foi feita em retribuição ao pedido de Altineu para que Priante, o pai, assumisse a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara – posto estratégico para Cunha.

Até nas águas

A influência de Eduardo Cunha também alcança a Agência Nacional de Águas (ANA). No apagar das luzes de 2017, em 16 de dezembro, Cunha conseguiu emplacar uma conselheira na ANA. Trata-se de Christianne Dias Ferreira. Sua nomeação gerou um constrangimento no plenário. Depois de ter votado a favor da nomeação, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) recuou. Mas o presidente, Eunício Oliveira (PMDB-CE), vetou, alegando que o sistema não permitia. Ela atuava como adjunta na subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, sendo subordinada diretamente a Gustavo Vale Rocha. Renan atribui a indicação de Gustavo Vale Rocha a Eduardo Cunha. Com tanto poder, Cunha exibe status de integrante de primeiro escalão. Com uma diferença crucial: seu gabinete não fica na Esplanada, mas numa ala do Complexo de Pinhais, em Curitiba, onde cumpre pena.