Em setembro de 2009, o presidente boliviano Evo Morales reivindicou nas Nações Unidas os direitos ambientais, convertendo-se no porta-voz dos ecologistas. Uma década mais tarde, em meio aos vorazes incêndios que consomem a floresta boliviana, ele passou a ser um vilão do meio ambiente.

Indígena cocaleiro de esquerda, Morales, dono então de grande prestígio internacional, pediu que os países desenvolvidos “reconhecessem e pagassem a dívida climática que têm junto a toda humanidade o planeta Terra”, ao qual chamou em quéchua, de “Pachamama”.

Porta-voz do ambientalismo e dos direitos indígenas, Morales foi reeleito no mesmo ano com 63% dos votos para um segundo mandato, que revalidou cinco anos depois até 2020. Ele agora tentará um quarto mandato em outubro.

Logo as divergências começaram a surgir junto a ONGs e ativistas ambientais sobre as políticas extrativistas de Morales, especialmente em questões de hidrocarbonetos.

Segundo o ativista Pablo Solón, ex-embaixador de Morales na ONU, o governo tem “uma gestão totalmente irracional de nossas florestas e biodiversidade”.

Sua derrota mais óbvia foi em 2012, quando ele teve que voltar atrás, em razão da forte oposição, a respeito de uma rota controversa que cortaria o parque nacional TIPNIS (Território Indígena do Parque Nacional Isiboro-Sécure) na Amazônia boliviana.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

– Ecocídio –

Em meio aos incêndios ocorridos no mês passado na Amazônia boliviana, os bispos da região alertaram há alguns dias sobre o que chamaram de “consequências trágicas desse desastre ecológico”, enquanto o Comitê Nacional de Defesa da Democracia (Conade), da oposição, responsabilizou o presidente por promover, com duas leis, a limpeza e queimada de pastagens em Chiquitanía, uma extensa planície no sudeste do país, para expandir a fronteira agrícola.

Rolando Villena, porta-voz do Conade e que foi defensor público até 2016, anunciou que seu grupo “estruturará um julgamento de responsabilidades contra todos aqueles que assinaram o Decreto Supremo 3973”, que estende de 5 a 20 os hectares autorizados para queimada controlada de terras.

Em meio a uma campanha eleitoral difícil para as eleições de outubro, o deputado da oposição Aymara, Rafael Quispe, apoiou a ideia de um julgamento das responsabilidades do governante “pelos delitos de ecocídio e biocídio”.

“A pecuária e a agricultura comerciais são responsáveis por dois terços do desmatamento da Bolívia”, disse Solón à AFP.

Segundo uma estimativa de sua base ecológica, “essa situação será agravada pela expansão da fronteira agrícola para cana e soja destinadas aos biocombustíveis e pastagens para gado destinado à exportação de carne para a China”.

Em meio à crise ambiental agravada pelos incêndios, Morales presenciou na quarta-feira o primeiro embarque de 48 toneladas de carne bovina para a China.

– Oposição cúmplice? –

O governo fechou fileiras em torno de Morales: “Vimos que as coisas foram ampliadas; em alguns casos, há uma intencionalidade perversa nesse tipo de ação que busca obter receita política”, protestou a deputada Sonia Brito.

O empresário Gary Rodríguez, presidente do Instituto Boliviano de Comércio Exterior, defendeu as medidas do governo.

“A pergunta é para aqueles que se opõem à ampliação da área de plantio, seja para gerar alimentos ou biocombustíveis: o que eles propõem para sair desse pântano onde estamos agora, produto do definhamento do setor de hidrocarbonetos?”, questionou Rodriguez.


Enquanto isso, a legisladora da oposição Lourdes Millares disparou: “Revisamos a documentação e, de fato, no Senado nacional, essa lei (de ampliação de extensão e queimadas) foi aprovada por unanimidade. Então há uma responsabilidade muito clara também da oposição”.

Morales responsabilizou a mudança climática.

“A principal causa dos grandes incêndios, que infelizmente são registrados em outros continentes, é a #MudançaClimática que é de responsabilidade de todos os países do mundo”, tuitou o presidente.

– Panorama sombrio –

Ante esse drama ambiental e depois de admitir que 1,2 milhão de hectares de florestas e pastos desapareceram devido aos incêndios desde maio, Morales pediu para “que se implemente um plano de recuperação em favor dos nativos nas áreas afetadas”.

No entanto, ambientalistas afirmam que a recuperação da flora e fauna queimadas exigirá pelo menos dois séculos.

Com uma visão quase apocalíptica, a Igreja Católica prevê que, “em breve, verificaremos a perda de biodiversidade, a contaminação da terra, do ar e da água, o desmatamento perigoso e a falta de meios de subsistência de seus habitantes”.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias