Dizem que o deputado Arthur Lira (PP-AL) é um “cumpridor de acordos”. Como o governo Jair Bolsonaro abraçou sua candidatura à presidência da Câmara dos Deputados e jogou pesado para impulsioná-la, prometendo cargos e liberação de emendas aos parlamentares, espera-se que Lira, se eleito, entregue a contrapartida: levar ao plenário temas que são caros ao bolsonarismo e ficaram na gaveta durante a gestão de Rodrigo Maia. O acesso às armas de fogo está no topo da lista de prioridades, segundo corre em Brasília.

Já cutuquei o assunto outro dia. Disse que a mera hipótese de mergulhar o Congresso num debate sobre armas em meio à pandemia e à crise econômica era inversão de prioridades. Uma forma de loucura.

Para entrar no mérito da discussão, conversei com Leandro Piquet, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e referência nos estudos sobre segurança pública no Brasil.

Piquet está longe de ser um xiita do desarmamento. Não por “convicção ideológica”, mas porque trabalha com números – estatísticas sobre criminalidade, venda de armas legais, contrabando e apreensão de armas ilegais. Segundo ele, não se pode associar a venda de armas de pequeno porte a cidadãos comuns ao aumento significativo do número de crimes violentos. O problema não é a arma guardada em casa, mas o arsenal de armamentos clandestinos que circula pelo país.

“A ideia de banir as armas não era realista em 2005, quando houve plebiscito sobre isso, e hoje é menos ainda”, diz Piquet. “A melhor maneira de produzir resultados práticos na segurança pública, além de baixar a temperatura do debate no Brasil, seria facilitar a vida de quem está disposto a comprar um revólver de forma legal e se enquadra em categorias conhecidas, como os atiradores esportivos, ao mesmo tempo em que se endurece muito a legislação e o combate ao porte ilegal.”

Obviamente, essa não é a tática do bolsonarismo. “A tônica de tudo que o governo fez até agora não foi buscar uma solução razoável, mas desorganizar o ambiente regulatório. Parece que o desejo é criar caos, para ver se a solução mais radical passa”, diz Piquet.

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Entre as medidas desenhadas para criar confusão destacam-se a liberação do porte de armas para categorias como caminhoneiros e políticos, a autorização da compra de armamentos de calibre pesado para uso doméstico e a interrupção do compartilhamento de informações entre os sistemas de registro da Polícia Federal e das Forças Armadas.

“A troca de informações entre a polícia e o Exército facilitava muito o rastreamento das armas ilegais e o monitoramento dos caminhos do tráfico. Interrompê-la piora o combate ao crime”, diz Piquet. “Quanto às armas de calibre pesado, sabemos onde elas vão parar. Vão parar nas regiões de conflito de terra e garimpo. Não tem nada a ver com caça, tiro esportivo ou proteção doméstica.”

Com Bolsonaro – e agora sou eu falando novamente – é sempre assim: ele desmonta, embaralha, confunde, tensiona. E o país que se vire para encontrar um caminho em meio ao caos.

Obviamente, pôr um tema em pauta não é sinônimo de aprová-lo no Congresso. Está longe de haver maioria consolidada na Câmara para afrouxar o controle das armas. Mesmo nas polícias militares, que vivem sendo afagadas por Bolsonaro, há muito oficial que não quer nem ouvir falar desse afrouxamento. Afinal, são eles, e não o capitão aposentado, que ficam todos os dias na mira das pistolas e fuzis ilegais.

Há também uma chance de o tiro sair pela culatra, com perdão da metáfora tosca. Se a discussão sobre armamentos for vista como uma tentativa bisonha de forçar o país a mudar de assunto em meio à pandemia, talvez os índices de popularidade do presidente tenham uma queda.

Mas pouco importa. Bolsonaro é refém de suas obsessões, e nós com ele. Não é nada desprezível a possibilidade de o Brasil ter de se ocupar de política armamentista nos próximos meses. É de trincar os dentes.


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