A escritora americana Regina Porter abre um sorriso quando observa a capa da tradução brasileira de seu livro Os Viajantes (Companhia das Letras). “Ficou linda e muito apropriada ao texto”, diz ela, que conversa com a reportagem do Estadão por Zoom. Regina é um dos destaques da 18ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que, neste ano, é totalmente virtual – ela conversa com o brasileiro Jeferson Tenório, autor de um dos melhores romances de 2020, O Avesso da Pele, a partir das 16h deste domingo, 6. Para assistir gratuitamente, basta acessar o canal da Flip no YouTube.

Os Viajantes é sua estreia na ficção, depois de uma bem-sucedida passagem pela dramaturgia. Trata-se de uma narrativa de fôlego, que acompanha a trajetória de duas famílias, uma branca e outra negra, desde a luta pelos direitos civis da década de 1950 até os dias iniciais do primeiro mandato de Barack Obama como presidente americano, em 2005. Um relato sobre traumas não cicatrizados, costurados por uma prosa que não respeita uma ordem cronológica, oportunidade para Regina transitar entre gêneros literários e o teatro, cuja presença mais marcante está em um livro com o texto da peça Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos, de Tom Stoppard, que é carregado pelo resto da vida por um personagem, Eddie, que repete incansavelmente seus versos e cuja filha, Claudia, se torna em uma especialista da obra de Shakespeare.

Não há coincidências na trajetória dos personagens de Regina Porter, que ilustra com fotografias os breves relatos, uma alusão ao escritor alemão W. G. Sebald (1944-2001), cujas histórias se entrecruzam em relatos situados na fronteira entre ficção e memórias. Com uma voz suave, pausada, e uma forma de olhar diretamente para seu interlocutor (mesmo que por meio de uma câmera), Regina conversou com o Estadão.

Histórias de viagens e viajantes são sempre inspiradoras – Londres, por exemplo, ajudou a moldar o caráter de Claudia, uma acadêmica de Shakespeare. Que outros locais inspiraram os personagens de Os Viajantes?

Confesso que não cheguei a pensar nisso, pois o que me interessa mais é conhecer pessoas e, quem sabe, seus familiares. E isso é importante para mim, pois me interesso pelas histórias de pessoas mais velhas, especialmente aquelas que revelam a alma dessas pessoas. Eu me sinto obrigada a homenageá-las e evitar que suas histórias permaneçam nas sombras. Mas, para não fugir da sua pergunta, eu me lembro de uma viagem que fiz a Portugal e, além de Lisboa e Évora, me encantei com Sintra, então uma vila que encantou o poeta inglês Lord Byron no século 19. Gostaria de lembrar também de Savannah e Nova York, cidades que considero meus lares, e é importante mencionar, como já disse antes, que existem diversas maneiras de se viajar e não apenas pelo sentido que conhecemos, de deslocamentos: viajamos pelos relacionamentos, nascimentos, funerais, pelos nossos casamentos e, claro, nossas férias.

O interessante em seu romance são as boas histórias envolvendo pessoas que habitualmente não são vistas nas páginas escritas. Como é possível ver a individualidade dentro da diversidade?

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Creio que o importante é ter atenção para pessoas com qualidades, digamos, universais mas que são particulares também. Quando escrevo, busco conhecer com detalhes o mundo que rodeia meus personagens. Por isso que gosto de conversar com os mais velhos, de questioná-los sobre suas verdades. Há muitas histórias de pretos que não foram contadas ainda. Você não imagina a riqueza oferecida por pessoas que nem frequentaram a escola. Passei muito tempo com pessoas mais velhas quando criança. Conversei muito com eles e também com minha mãe. A pesquisa emocional chega lá.

O romance se situa entre a década de 1950 e o primeiro mandato de Obama como presidente. Por que esse período?

Eu buscava personagens distintos e não me preocupei, em um primeiro momento, em quantas décadas o romance abarcaria. Cada personagem nasceu devagar, um atrás do outro, o que me fez pensar em seus interesses, no mundo ao seu redor, os seus momentos. Eu escrevia suas histórias, que nem sempre se desenrolavam cronologicamente, pois preciso visualizar esse personagem e ouvir sua voz. Só depois é que crio a história que vai informar sobre suas vidas. É por isso que a música é importante para mim, pois as canções marcam um tempo – algumas até forçaram a mudar meu olhar para o ponto de vista de um personagem. A música é, de certa forma, mais política que a ficção, pois tem menos tempo para narrar uma história e ser eficiente. Exemplo? Cito What’s Going On, de Marvin Gaye.

Um de seus mais recentes romances, Daily Cleanse, se passa em Nova York no auge da pandemia do coronavírus. Como esse fato mexeu com sua imaginação?

Como fiquei em casa, eu não conseguia parar de escrever. E, nas raras vezes em que saí de casa, só vi negros e latinos trabalhando, se arriscando. Uma experiência difícil de esquecer.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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