Entre todas as coisas que o Brasil poderia importar dos Estados Unidos, há o risco da repetição de tragédias de tiroteios em escolas. O País entrou definitivamente neste radar após o massacre de Suzano na escola Raul Brasil, em março de 2019, que vitimou dez pessoas e deixou outras onze feridas. O ex-xerife Kevin Beary, de 62 anos, que chefiou o gabinete do condado de Orange, um dos maiores do sudeste dos EUA, esteve no Brasil para palestrar a respeito de segurança nas escolas e falou com exclusividade à revista ISTOÉ. Ele também já foi agente da SWAT, a unidade americana de polícia especial, e hoje comanda na Flórida a equipe de reformulação da estratégia de defesa de muitas instituições de ensino. Para ele, o risco de tiroteios em espaços públicos existe em qualquer país, e para preveni-los algumas medidas drásticas podem ser necessárias, sendo uma delas permitir que professores portem armas dentro das salas de aula.

É a sua primeira vez no Brasil?

Não, é a minha terceira vez. Como palestrante, eu vim outra vez em 2007, quando meu gabinete veio para trabalhar com a Polícia Federal em um programa para as capitais e eu estou de volta agora.

Há alguma familiaridade com o idioma?

Minha esposa foi criada no Recife e também no Rio de Janeiro. Ela nasceu nos EUA, mas o pai dela veio para o Brasil como um missionário nos anos 1970. Sempre quando ela começa a falar em português comigo, eu fico em apuros. Além disso, muitos brasileiros de grupos especiais de equipes de segurança vêm para Orlando, na Flórida, e treinam no evento anual da “Swat Round-Up International”, que é uma das diversas oportunidades em que um policial pode viajar para outros lugares e aprender novas técnicas de segurança. Sempre visando ajudar a proteger os seus respectivos países com o novo conhecimento.

 

Como surgiu o convite para palestrar no Brasil?

O Brasil tem alguns dos mesmos problemas dos EUA. Recentemente, em março deste ano, vocês tiveram o tiroteio em Suzano, enquanto nos EUA há tiroteios em escolas, igrejas e outros tipos de lugares públicos. Foi por isso que fui convidado.

O senhor acha que no Brasil há o perigo de acontecer mais tiroteios desse tipo?

Acho que o Brasil, assim como em qualquer outro país, situações como essas podem acontecer. Nós vimos isso na Noruega em 2011 e na França em 2017, este é claro com certa dose de terrorismo envolvido. O que mais me afetou foi o de Fort Hood em 2009, porque um sobrinho da minha esposa foi um dos primeiros atingidos pelo atirador. Ele recebeu aposentadoria médica do exército dos EUA após o incidente, pois foram necessárias múltiplas cirurgias no cérebro para salvá-lo.

O que pais e professores poderiam fazer para evitar situações como essas?

Existem muitas instituições que precisam cooperar, especialmente as escolas, a polícia e os militares. Todos devem estar em sintonia para que prevenção seja feita com eficiência. Um aspecto que abordo sempre nas minhas palestras é o desenvolvimento de um centro de inteligência, onde comandantes dividem a informação com todas as instituições envolvidas. É algo que se originou no Reino Unido, e também nos EUA, que chamamos de “centro do crime em tempo real”. Consiste em uma sala equipada com tecnologia de ponta e contato direto com gabinetes para transmissão de informações assim que forem coletadas, suprindo os postos de comando e os superiores para que fiquem em condições de tomar as decisões corretas e salvar vidas.

O senhor acha que escolas mais estruturadas, com laboratórios e bibliotecas, evitariam tragédias como essas?

Acho que em termos de políticas próprias, tanto escolas como shoppings e outros espaços públicos deveriam ter planos de emergência. São situações que exigem treinamento para que sejam bem executadas, o que também deve acontecer com a polícia. Nas escolas, especificamente, é preciso treinar as crianças. É muito triste para o mundo nós termos que nos preocupar com tiroteios em escolas, mas ao mesmo tempo é algo que precisamos fazer. Uma vez, uma mãe me disse que o filho dela de cinco anos precisou passar por um treinamento desses no jardim de infância. É algo que também deveria ser feito em hospitais.

E em relação aos atiradores, como evitar o desenvolvimento dessas personalidades?

Tenho certeza que outro problema comum entre o Brasil e os EUA é o da saúde mental. Esse é um dos maiores deles. Em 1971, os EUA começaram a desmobilizar as instituições de cuidado com saúde mental, algo que está sendo repensado por conta da situação que vemos hoje. Temos pessoas andando livremente nas ruas que não deveriam, pois são ameaças para si mesmas e para toda a população.

Como a sociedade deveria lidar com a construção do discurso de ódio desses jovens frustrados e o que os motiva a tais ações?

Às vezes eles possuem uma causa própria ou seguem alguma outra. Um estudo do serviço secreto dos EUA revelou que em 67% de casos de tiroteios, pessoas próximas ao atirador sabiam que ele estava com problemas ou que poderia ser uma ameaça em potencial. Muitas vezes, acabam não falando nada para evitar o escrutínio de alguém. Todos pensam que ao fazer uma acusação deste tipo podem ser enquadradas em alguma “fobia”, mas não é o caso. Se qualquer pessoa ouvir alguma coisa, é preciso reportar às autoridades. Se ouvirmos a tempo, é possível fazer alguma coisa a respeito.

Poderia exemplificar isso com algum caso?

Foi o que observamos no tiroteio da boate Pulse de Orlando, em 2016. Havia indicadores de que o atirador tinha feito comentários ofensivos e que até o FBI sabia a respeito, mas não dividiu tais informações com a polícia local. O resultado foi 50 mortos e outros 53 feridos. Isso indica que é necessário falar para que seja possível alguma intervenção das forças de segurança.

Com o afrouxamento das regras para posse de arma que o presidente Jair Bolsonaro quer promover no Brasil, pode haver algum impacto?

Venho da Florida, um dos estados em que o porte de arma nos EUA é mais visado. Acho que se alguém quer comprar uma, que seja feito da forma correta. Se houver o treinamento e as condições adequadas para isso, não acho que é um problema. Isso é muito bem estruturado na Florida, no Kansas, na Carolina do Sul e na Georgia. Afinal, há múltiplos registros nesses estados de ataques a mulheres e idosos em que essas pessoas puderam se defender porque estavam armadas. Já que mencionou Bolsonaro, saiba que o presidente dos EUA, Donald Trump, já admitiu que carrega com ele a própria arma de vez em quando. Acho que com os índices de crime e de violência que estamos vendo, há muitas pessoas procurando armas como forma de comprar proteção para si mesmas e para suas famílias.

 

O senhor acha que professores deveriam estar armados nas salas de aula?

Nem todos os professores querem carregar uma arma, então não deveríamos obrigá-los a fazer isso. Mas para os que querem, há um exemplo em Polk County, na Florida. O xerife de lá implantou um plano em que treina os professores de todas as escolas e faculdades, públicas e privadas, para situações táticas em que há um atirador, e eles estão usando armas. Colocando isso de outra forma: eu moro em Apopka, no mesmo estado, e na escola em que meus filhos estudam um dos professores é um ex-integrante do Seal. Eu não tenho problema com um ex-integrante da tropa especial da marinha americana protegendo minhas crianças numa situação de perigo como essa.

Como os agentes de segurança deveriam lidar com traficantes que atuam em escolas?

No contexto de hoje, não há espaço para armas e drogas em escolas e campus. Muitas das escolas da Florida aumentaram sua segurança, com o uso de detectores de metal para manter armas fora da escola. Fui um policial por 42 anos, e considero que se você vai para uma escola, você não deveria ir para vender ou usar drogas ilegais. Para os estudantes, o importante é focar no estudo e manter o lixo fora da sala de aula.

Em áreas de conflito entre a polícia e os traficantes, como as tropas policiais devem agir para proteger os estudantes e professores?

Eu vi que o Brasil fez um excelente trabalho nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, usando a tecnologia. Essa estrutura agora deve ser levada para as áreas problemáticas nesse sentido. Eu sou inteiramente favorável ao uso de câmeras de vídeo e operações com agentes infiltrados. Quando você está lidando com traficantes, 90% das vezes você estará lidando com pessoas armadas e perigosas. Não se pode brincar com essas pessoas, elas irão te machucar. Então a polícia precisa ser rigorosa, e também é necessário exercer a lei. Para os profissionais da segurança, não concordo com a atitude de evitar alguma região porque ela não é segura. É trabalho desses profissionais deixá-la segura. Logo, é necessário entrar no lugar de risco, seja lá qual for e resolver o problema.

Em quais outros aspectos da segurança o senhor considera que o Brasil deveria tomar cuidado?

Os brasileiros tiveram algumas operações bem sucedidas contra o terrorismo nos últimos anos. Uma questão importante, que é preciso ficar de olho, é nas leis de imigração. O Brasil é um lugar lindo para se visitar, é importante manter isso em mente principalmente para desenvolver o turismo, mas é necessário tomar cuidado com quem estão deixando entrar no País. Nos Estados Unidos estamos tendo este problema agora porque permitimos a imigração de pessoas de países cujos governos apoiam o terrorismo. Até o ex-presidente Barrack Obama disse que não deveríamos aceitar tais pessoas dessas nações. É um conceito repugnante, parece duro demais, mas é o que precisa ser feito. È uma preocupação intensa, não só para combater o crime, mas também para a segurança nacional de qualquer país.