Em abril de 2022, João Doria era governador de São Paulo e havia se lançado candidato a presidente da República, depois de ter vencido as prévias no PSDB, ao qual era filiado. Depois de divergências internas no partido, ele deixou o governo, desistiu da candidatura, se desfiliou da legenda e abandonou a política. Hoje, dedica-se ao mundo empresarial, presidindo o Lide, e promovendo seminários no Brasil e exterior para atrair investimentos para o estado, de onde acompanha os movimentos da economia. Ele julga que o Brasil de Lula melhorou, mas o País ainda sofre com a divisão entre lulistas e bolsonaristas. Por isso, defende um amplo pacto de pacificação nacional entre Poderes e também de união entre a população. Reconhece que quando era político cometeu exageros e se exarcebou, sobretudo contra o presidente Lula. Por isso, lhe pediu desculpas publicamente.

O escândalo da Abin paralela, com a investigação sobre Alexandre Ramagem, já está chegando a Bolsonaro. Mas o ex-presidente está sendo investigado também por tentativa de golpe e pelo negacionismo na Covid-19. Acha que ele precisa ser preso?
Toda pessoa que comete crimes precisa ser julgada. Seja quem for, não dá para pressupor a culpabilidade e já dar a indicação de prisão. Há suspeitas, e elas se materializam, e é preciso que haja investigação com amplo e pleno direito de defesa para depois, eventualmente, o processo de punição.

O sr. está afastado da política partidária há quase dois anos. Neste período sua vida mudou muito. O sr. era governador, mas teve que abandonar tudo e se dedicar aos seus negócios. Sente falta da política, ao ponto de querer voltar a ela?
Tenho boas recordações da política. São boas memórias sobre os seis anos em que vivi a política, mas não quero retornar. Não tenho mágoa nem ressentimentos, trago só as boas lembranças. Só que eu tomei uma decisão: voltar de onde vim, à iniciativa privada, onde quero permanecer.

Quando o sr. foi prefeito, e depois governador de São Paulo, fez duros ataques ao PT e ao presidente Lula. Disse que levaria chocolates para ele na cadeia. O sr. já fez um mea culpa, mas por que fez as críticas?
Depois que saí da vida política, da vida partidária, fiz uma profunda reflexão. Percebi que fui injusto com algumas pessoas. Exacerbei, exagerei em alguns aspectos, na linguagem, nas manifestações. Eu quero ter a minha consciência tranquila. Pedir desculpas não é prova de fraqueza. É demonstração de grandeza, de querer ter uma leveza de alma e no coração. Então eu entendi que, em relação ao presidente Lula, cometi excessos em frases e colocações. Já pedi desculpas publicamente a ele e a outras pessoas, como em relação ao vice-presidente Geraldo Alckmin. Isso me deixa tranquilo em relação à minha alma e pacificado do ponto de vista da minha consciência.

“Precisamos de um amplo pacto de pacificação nacional”, diz João Doria
“O ministro Fernando Haddad foi uma grata surpresa. O Brasil melhorou a sua condição econômica” (Crédito:Cristiano Mariz)

Como avalia o primeiro ano do terceiro mandato de Lula?
Fazendo uma avaliação, é meio copo cheio. Algumas conquistas ocorreram e é preciso reconhecer. Primeiro, na parte econômica. O ministro Fernando Haddad foi uma grata surpresa, não se esperava que ele fosse tão aberto ao diálogo, fosse querer ouvir e compreender demandas, querer saber sobre as reivindicações do setor privado, do setor financeiro, do setor produtivo como um todo. E ele deu essa demonstração. Foi uma surpresa agradável. Teve uma boa conduta no cargo. O Brasil melhorou a sua condição econômica, obteve melhora no grau de avaliação das agências internacionais. Houve um avanço na questão fiscal, a reforma foi uma conquista, assim como o arcabouço fiscal e a pacificação nas relações com o Banco Central. Foram aspectos vitoriosos neste primeiro ano. E há a questão ambiental. Podemos ter dúvidas ou posições não coincidentes com a ministra Marina Silva, mas de fato o Brasil entrou em outra agenda no plano ambiental, realista, positiva e protetora ao meio ambiente e às reservas ambientais. Avançou na compreensão da importância das comunidades indígenas.

A despeito dos pontos positivos, há alertas, sinais amarelos, em relação a questões como descontrole fiscal, em que dificilmente chegaremos ao déficit zero. O sr. acha que corremos um risco de uma virada negativa neste processo?
A inflação decresceu, o controle fiscal foi efetivado, os investimentos internacionais foram ampliados. Foram pontos importantes. E também há a responsabilidade jurídica. O Brasil não poderia correr o risco de apresentar razões para que os investidores internacionais tivessem dúvidas sobre a estabilidade jurídica do País. Tenho viajado bastante nos últimos 14 meses e a estabilidade jurídica e o controle fiscal são os pontos mais preocupantes junto aos investidores internacionais.

Lula tem dito que se não houver recursos para área social, é melhor não insistir no déficit zero. O sr. acha que o déficit zero é indispensável para a economia não desandar neste ano?
Não há incompatibilidade entre fazer investimentos sociais e manter o controle fiscal. Um não é inimigo do outro.

Como o sr. vê as divergências do governo com o Congresso? Os parlamentares aprovam uma lei, como foi o caso da desoneração da folha de pagamento, mas o governo passa por cima disso e veta. Os congressistas derrubam o veto e o presidente edita uma MP desconsiderando a decisão dos parlamentares. Está havendo uma guerra entre os Poderes?
Sempre há posições díspares nas relações entre Legislativo e Executivo, e até mesmo com o Judiciário. Faz parte do jogo político e deve ser mediado com diálogo e entendimento para que as dificuldades e dúvidas possam ser superadas, mas não de forma impositiva e sim de maneira propositiva.

Há também divergências entre Congresso e Judiciário, como na questão do marco temporal. Está na hora de ter um pacto de pacificação nacional entre os Três Poderes?
O Brasil precisa de um pacto de pacificação amplo entre os Poderes e a população. O entendimento se faz com base no diálogo e no respeito ao contraditório. As ações impositivas não são construtivas, assim como as que evocam o passado. O que pode ajudar a construir um país melhor é compreender, perdoar, saber dialogar e construir as melhores oportunidades para o Brasil. Tudo isso no campo dos Três Poderes. Medidas arbitrárias e autoritárias, sejam quais forem as origens, não são construtivas. A própria população precisa saber interpretar estes gestos pacificadores para que a nossa vida seja menos divisiva, para o País sair da situação de confronto. Hoje o Brasil ainda é metade Lula, metade Bolsonaro. Eu gostaria que fosse inteiramente Brasil.

Imaginava-se que haveria pacificação depois da eleição de 2022, mas aí houve o 8 de janeiro e a tentativa de golpe. O sr. acha que os bolsonaristas queriam mesmo dar um golpe de estado e tirar o Lula do poder?
Não tenho dúvida de que houve uma tentativa de desestabilização do país. Resultaria em golpe? Não sei. Foram atos graves e que merecem condenação, e que precisam ser apurados pela Justiça. Os Poderes foram invadidos e afrontados. Isso é inaceitável. Mas não podemos seguir, nos próximos anos, relembrando esses fatos e fazendo disso uma condenação permanente. Não vai contribuir para a pacificação do país. Quanto mais pessoas pacificadas tivermos no País, do ponto de vista político, e do ponto de vista da cidadania, será melhor. Sem confrontos, as consequências serão positivas, seja na geração de empregos ou em mais oportunidades de crescimento.

Já se fala novamente no acirramento da polarização nas próximas eleições municipais. O próprio presidente Lula disse que a disputa em São Paulo será entre ele e Bolsonaro. A tensão permanecerá no ar?
Não é razoável que você coloque eleições municipais como se fossem nacionais. Não é justificável resgatar o “nós contra eles” nessas eleições. Eleições municipais devem refletir os interesses e carências das cidades, os desejos da população nos planos social, econômico e de infraestrutura. O viés político não deveria predominar.

Lula fala em um eventual quarto mandato. Essas eleições de 2024 podem ser um termômetro para 2026?
Ainda é muito cedo. O ideal é que o presidente esteja concentrado em fazer uma boa gestão e comandar o País. Entendo que a atenção e o foco no povo e no Pais é o mais importante do que as eleições de 2026.

Mas o sr. sempre foi contra a reeleição, certo?
Sempre fui contra e nunca admiti participar de uma reeleição. Acho que, numa reforma política, ela deveria ser suspensa. O Brasil deveria ter uma única eleição, conjunta, a cada cinco anos, para evitar desgastes, despesas e as paralisações determinadas a cada dois anos. Seria um único mandato de cinco anos para presidente, governador e prefeito.

“Precisamos de um amplo pacto de pacificação nacional”, diz João Doria
“Entendi que, em relação ao presidente Lula, cometi excessos e já pedi desculpas publicamente a ele” (Crédito:Ricardo Stuckert/ PR)

Com Bolsonaro inelegível, o sr. acredita que será viável o surgimento de uma terceira via? O senhor foi um candidato da terceira via. Há espaço para essa opção no Brasil ou essa esperança acabou?
Não acabou. Quem define uma candidatura e a elege é o povo. Ninguém pode estabelecer de antemão o que vai ser votado pela população. Cada eleitor tomará a sua decisão. É perfeitamente possível que possam surgir outros nomes além dos candidatos á reeleição ou dos candidatos de sempre. Há tempo para surgirem outros nomes, principalmente para as eleições presidenciais.

Voltando ao início, em que falávamos que o sr. havia retomado sua vida profissional, especialmente seus negócios à frente do Grupo Doria, o sr. acaba de voltar da China onde fez um importante seminário para a atração de investimentos. Como o Brasil pode se beneficiar desse grande volume de recursos gerar desenvolvimento?
Os movimentos do Lide no plano internacional não só trazem recursos, mas como reforçam a boa imagem do Brasil. É o papel do Lide, que trabalha pelo Brasil. Nós temos 18 unidades internacionais, estamos em todos os continentes. Só no ano passado fizemos oito eventos internacionais. Em 2024 serão 12 eventos, todos voltados a promover o Brasil no campo econômico, no plano institucional, sempre mostrando as oportunidades que o país oferece para investidores internacionais.