Em visita ao país, titular da pasta de Desenvolvimento Internacional afirma que multilateralismo é chave para combater aquecimento global e extremismo. Ele mesmo é um sobrevivente de massacre em ilha norueguesa em 2011.Åsmund Aukrust, ministro de Desenvolvimento Internacional da Noruega, tenta abordar em seu trabalho o que aprendeu após sobreviver a um massacre. Em 2011, aos 26 anos, ele estava na ilha de Utoya quando um criminoso ligado à extrema direita abriu fogo contra a nova geração de políticos do Partido Trabalhista reunida num acampamento de verão. Em suas interações com lideranças globais, Auskrust diz que esse tema é recorrente e compõe um de seus objetivos: combater o extremismo.
Em visita ao Brasil na semana passada, o ministro veio também oferecer apoio à presidência da próxima Conferência do Clima da ONU, a COP30, que ocorre em novembro em Belém. É a primeira vez que a reunião global acontece em um ambiente cercado pela maior floresta tropical do mundo.
A Noruega é a maior doadora do Fundo Amazônia, criado em 2005 para financiar iniciativas que inibam o desmatamento. Como parte da preparação para COP30, Auskrut reuniu-se com autoridades brasileiras e organizações da sociedade civil, e participou do lançamento do livro Comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas: impactos e soluções na agenda climática, financiado pela Noruega, em Brasília.
O ministro afirma que a luta contra as mudanças do clima e a conservação da Amazônia são políticas prioritárias para a Noruega – apesar de o país estar entre os maiores exportadores de petróleo. Nascido em 1985, Auskrut assumiu a pasta em fevereiro passado e diz buscar o fortalecimento das alianças e do multilateralismo neste momento de guerras e incertezas.
DW: O que motivou essa visita ao Brasil, sua primeira como ministro?
Åsmund Aukrust: Estou aqui para fortalecer os laços entre a Noruega e o Brasil. Temos trabalhado juntos há muitos anos em várias questões diferentes. Por exemplo, ano passado a Noruega participou como convidada do encontro do G20 presidido pelo Brasil.
E, no momento em que vivemos agora, com tantos desafios e tanta incerteza sobre o que está acontecendo, é importante formar parcerias, fortalecer alianças. E alianças para proteger o multilateralismo, os direitos humanos, o direito internacional e o livre comércio.
É por isso que estou aqui no Brasil. Tive reuniões muito boas com diferentes representantes do governo, mas também com a sociedade civil e outros atores.
DW: A Noruega é a maior doadora do Fundo Amazônia, que ficou anos paralisado sob o governo de Jair Bolsonaro. Nos últimos dois anos, o desmatamento caiu, mas aparentemente voltou a subir um pouco neste semestre. Como o sr. avalia a retomada do fundo nesse contexto?
Estamos muito satisfeitos com o excelente progresso feito nos últimos dois anos, e acho que a Noruega tem sido uma grande contribuidora do Fundo Amazônia há quase 20 anos. Vemos isso como um desafio global importante na luta contra as mudanças climáticas, e reconhecemos o papel crucial que o Brasil tem na proteção da Amazônia.
O Brasil está realmente assumindo a liderança agora, com a presidência da Conferência do Clima, em novembro. Por isso, também precisamos apoiar a presidência brasileira da COP e ver de que forma podemos contribuir com essa luta tão importante.
DW: Falando sobre a COP e o Fundo Amazônia, precisamos reconhecer que a Noruega também é um dos maiores exportadores de petróleo, combustível fóssil cuja queima causa a crise climática que vivemos. Como o país lida com essa dicotomia, por assim dizer, em suas relações?
A Noruega possui recursos de petróleo e gás. Já faz 50 anos desde que encontramos essas reservas. Estamos utilizando esses recursos com o menor impacto ambiental possível e houve uma grande demanda pelo gás norueguês após a guerra da Rússia na Ucrânia.
Acredito que a Noruega consegue combinar os dois papéis: ser um país com grandes recursos fósseis, mas também liderar a transição verde – tanto internamente, o que é o mais importante para nós, quanto internacionalmente.
Nesse cenário geopolítico complexo, com ameaças de guerra na Europa e o multilateralismo sob pressão, a cooperação ambiental e climática continuará sendo uma prioridade para a Noruega? Por quê?
Sem dúvida. Quando se trata do clima, só é possível enfrentar esse enorme desafio global se trabalharmos internacionalmente. Nenhum país, nenhuma conferência conseguirá lidar com isso sozinha. Estamos totalmente dependentes uns dos outros.
Quais são suas expectativas para esta COP?
Temos grandes expectativas quanto a todos os compromissos constitucionais e às novas metas climáticas. Pouco antes do encerramento da última sessão no Parlamento, estabelecemos nossa nova meta: reduzir entre 70% e 75% das nossas emissões de CO2 até 2035. E, claro, estamos ansiosos para que os demais países também apresentem suas novas metas.
E sei que, por ser a primeira COP realizada em um ambiente de floresta tropical, provavelmente haverá muitas discussões sobre como combater o desmatamento.
O senhor é um sobrevivente do ataque na Noruega em 2011, cometido por uma pessoa ligada à extrema direita. Desde então, temos visto a ascensão da extrema direita em vários países, inclusive no Brasil. Como isso ameaça a própria Noruega e a cooperação internacional?
Nesta terça-feira completam-se 14 anos do ataque em Oslo e no acampamento de verão da juventude trabalhista na ilha de Utoya, em 22 de julho de 2011.
E nós, na Noruega, sabemos pela nossa própria história o quão perigoso o extremismo pode ser, e o quanto discursos de ódio podem levar a consequências graves. Isso pode acabar em terrorismo, em ataques. Temos uma obrigação extra de fazer tudo o que pudermos, não apenas para contar essa história, mas também para combater o extremismo.
Isso é realmente um desafio internacional, porque sabemos que grupos extremistas se inspiram mutuamente em diferentes partes do mundo, por meio de redes. Portanto, também precisamos fazer o mesmo: unir forças além das fronteiras.
Sabemos o quanto o extremismo pode ser perigoso. Tivemos aquele ataque que matou 77 pessoas. Anos depois, houve um ataque contra uma mesquita, também cometido por um extremista de direita. E, três anos atrás, tivemos um atentado em um bar LGBTQIA+, onde duas pessoas foram mortas por um extremista islâmico.
Então, é fundamental que façamos tudo o que pudermos para combater o extremismo, de todos os tipos. E definitivamente tentamos fazer isso no governo norueguês. E, no meu caso, com a minha história pessoal, acredito que essa é uma das missões mais importantes que podemos assumir, especialmente neste momento.
Essa experiência influencia, de alguma forma, sua atuação à frente do ministério?
Sim, absolutamente. Sempre que discutimos os direitos e os retrocessos globais que estamos enfrentando, em relação à igualdade de gênero, aos direitos da comunidade LGBTQIA+ e de outras minorias.
Essa experiência pessoal certamente tem influência. Ela serve como exemplo de como é importante intensificarmos nossos esforços quando vemos esses retrocessos acontecendo.