Quase deu medo quando a modelo de cabelos loiros enormes surgiu na passarela da Gucci carregando uma réplica de sua própria cabeça. O bebê dragão no colo de uma outra figura andrógina também causou comoção. Para Alessandro Michele, o estilista que colocou a marca italiana na vanguarda criativa da Europa, a moda é um filme com enredo intrigante, personagens atípicos e até efeitos especiais. Seu desfile marcou o primeiro dia da semana de moda de Milão, na quarta, 21, retratando um universo fantástico e cibernético, repleto de criaturas imaginárias e roupas híbridas, que mesclavam referências culturais. A passarela foi armada como um centro cirúrgico cenográfico, com macas e tudo (referência ao corte e costura de influências étnicas), onde se viu um jogo entre o real e o artificial.

Para produzir as réplicas impressionantes – um terceiro olho ostentado na testa de um dos modelos, chifres faunos e animais mágicos -, Michele trabalhou por seis meses com uma empresa de tecno-artesãos de Roma, a Makinarium, requisitada normalmente por diretores de cinema – Ridley Scott e Ben Stiller são alguns deles. A ideia era explorar como tema o que chamou de pós-humano, em uma coleção que reflete muito o que a moda é hoje: um verdadeiro Frankstein de referências.

Roupas e acessórios vieram em um mix de chapéus de pagodes chineses, baclavas de luta livre mexicana, silhuetas dos anos 20, jaquetas de couro inspiradas nas bonecas Matrushka russas, tweed com franjas e até capas monásticas com o logotipo do time de basebol New York Yankees. O ponto em comum em tudo isso? O logotipo Gucci, principalmente nas bolsas com correntes e alças gigantes e nas padronagens resgatadas de antigas coleções da grife.

Igualmente excêntrico, o desfile da Moschino fechou o primeiro dia da semana de moda com suas modelos extraterrestres de pele azul e verde em terninhos dos anos 60. O divertido estilista Jeremy Scott divagou sobre a teoria da conspiração de que John Kennedy e Marilyn Monroe na verdade foram abduzidos por alienígenas. De acordo com a narrativa de Scott, este alienígena seria Jackie O., ex-primeira-dama americana. O toque pop adorado pelos fãs da Moschino apareceu nos tubinhos e bolsas imitando embalagens de cereais matinais.

Depois da fantasia, a realidade. O segundo dia da semana de moda em Milão reforçou a ideia da mulher italiana como conhecemos: sexy e elegante. A começar pela Max Mara, mais ousada e rock’n’roll do que costuma ser, mas ainda apostando em certos códigos clássicos para seu inverno. Xadrez e animal print dividiram a passarela com regatas podrinhas e uns pontos de rosa millennial, tom que conquistou até uma das mais conservadoras grifes italianas.

Sem diretor criativo desde a saída de Massimo Giorgetti, a Emilio Pucci trabalha em modo de segurança com sua equipe interna de designers. A grife mantém suas estampas-assinatura, que apareceram com interessância nas saias rodadas em matelassê e nas surpreendentes texturas de doudounes.

A sintomática trilha sonora com a Logical Song do Supertrump, repetindo o verso com a frase who I am, já dava uma ideia do momento em que a Fendi vive. A casa italiana é, há 93 anos, uma das marcas mais famosas em pele – tema altamente criticado hoje na moda. A música soava como um grito de afirmação de identidade do que a grife é e o que já foi – para o bem e para o mal. Apesar disso, a marca apostou numa feminilidade romântica, com vestidos acinturados e saias plissadas combinadas com as botas de caubói curtinhas – hit certo.

Destaque deste segundo dia, a Prada também falou em identidade, a palavra da vez. Ela o fez trazendo seus signos mais icônicos em um só desfile. O mais explícito de todos, o neon, altamente explorado pela grife nos anos 90, dominou a passarela. O nylon, material que traz a esportividade da Prada há décadas, apareceu nos coletes de shape quadrado e nos vestidos franjados. Para Miuccia Prada, transparências andam junto com o militarismo, salto alto, sportswear – isso sem se apegar à décadas. Miuccia e Michele se encontram para dizer que, sim, é a hora e vez das composições multifacetadas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.