A posse mais importante desde o fim da ditadura parece dissipar rapidamente a tensão de quatro anos de golpismo. Bolsonaro renunciou na prática nos últimos dois meses e terminou sua gestão com uma fuga patética rumo os EUA, deixando seus seguidores radicais abandonados em portas de quartéis esperando um golpe que ele não teve força nem capacidade de executar.

Esse vácuo em Brasília causado pela incompetência do titular facilitou as coisas para Lula. Ele teve dois longos meses para montar seu governo, controlado pelo PT de cabo a rabo, preparando o espírito para uma nova guinada que devolverá o poder político à legenda após o colapso do governo Dilma. O intervalo de tempo permitiu também que o grupo de transição preparasse dossiês que devem servir de antídoto para os questionamentos no início da nova gestão.

Aí também o desgoverno Bolsonaro vai favorecer Lula. O cenário de terra arrasada vai permitir que seu governo se destaque rapidamente com iniciativas simples. Isso vale em quase todas as áreas da administração, com exceção da economia. Apesar de o novo presidente ter se aproveitado de medidas populistas e irresponsáveis de Bolsonaro e Paulo Guedes no apagar das luzes, como o fim do teto de gastos e medidas artificiais para baixar a inflação, agora a nova equipe econômica vai enfrentar um panorama adverso de pressão inflacionária, que deve manter os juros altos.

Lula parece querer testar novamente o modelo econômico petista que já deu errado no governo Dilma: intervenção nos preços de serviços públicos, ocupação política das estatais, com o fim das privatizações e aparalhemanto até do segmento portuário, subsídio para setores amigos e intervenção pesada em todas as áreas. O desenvolvimento, nessa visão, virá de investimentos públicos. Não deu certo antes, não deve dar certo agora.

O petista pode rever essa estratégia para triunfar em seu terceiro mandato. Se for bem-sucedido, vai se consolidar como o político mais importante da história política brasileira, ao lado de Getúlio Vargas. Como Getúlio, Lula vai ter reinado por quase duas décadas.

Até hoje, a popularidade de Lula, inclusive no exterior, deve-se à sua habilidade de se adaptar, reverter políticas regressivas e ultrapassadas da esquerda e abraçar novos consensos. Fez isso nos dois primeiros mandatos, usando a contribuição dos economistas do Plano Real. Pode fazer agora de novo. Se tiver a sabedoria de rasgar dogmas ultrapassados e alinhar sua gestão às economias mais dinâmicas, poderá inclusive deixar um legado mais positivo do que seu antecessor gaúcho. São os melhores votos para um governo que se inicia trazendo um grande alívio para a sociedade. A época de golpes e conspirações, afinal, parece ter ficado mesmo para os livros de história.