Se no lugar da República ainda existisse uma monarquia no Brasil, o exemplo do rei espanhol Juan Carlos, podia agora estar sendo seguido por um tal de Lula I, D. Temer II, Rainha D. Dilma III, Sua Majestade Fernando Collor IV ou sua alteza sereníssima D. Jair Bolsonaro V do Brasil.

Por pior que seja, aqui não tem risco de Rei fugir. Porque um presidente não precisa abdicar, ele cessa. E se ele não presta, em vez de fugir ele é preso. Numa República, por mais bananas que ela tenha, rei em fuga nunca vai ter.

Por causa do vil metal, na longínqua Europa, o Rei emérito dos colonizadores da outra metade da América Latina, Juan Carlos I, decidiu transformar sua vida em roteiro de cinema. Inspirado pela literatura, o rei passado — ele entregou o trono para o filho — virou Pasmado, como no livro do escritor Gonçalo Torrente Ballester.

A Fuga do Rei é uma comédia metafórica. Amante de mulheres e vícios que o estado espanhol não quer pagar, ele desiste do seu povo e se manda. Como no Livro de Ballester, o velho rei espanhol enfrenta o mesmo julgamento público feroz do seu antecessor Felipe IV, mas agora com personagens diferentes.

Os mídias tradicionais e as mídias sociais representam o Frade Villaescusa, que condenou o Rei por conduta imprópria. Os empresários simbolizados pelo Padre Almeida, ilibam o Rei com base no argumento de que a má sorte dos governados depende da capacidade dos seus governantes e não da sua moralidade.

Mas a “fuga” do Rei da Espanha não deixa de ser uma fotografia do cinismo conveniente com que a História se verga aos interesses em cada momento. Muitos dos que hoje gritam em público que o velho Rei deve perder a honra e os privilégios (por causa da sua cupidez e falta de moralidade) foram os mesmos que durante décadas beneficiaram (e enriqueceram) com os negócios que o monarca Bourbon lhes conseguiu nas mil e uma noites das arábias ou em badaladas caçadas em África.

Só que nos dias de hoje Reis e Papas já não morrem sentados no trono. Eles aspiram aos mesmos sonhos dos mortais e querem gozar dos prazeres simples do povo —aposentadoria, infidelidade e até anonimato.

Mas não é assim tão simples. Juan Carlos se mandou para os Emirados Árabes Unidos porque está de saco cheio com as reclamações de um povo que em bom rigor já não é responsabilidade dele. E está no seu direito porque, por mais milhões dólares que rolem em suas contas bancárias, Espanha deve mais a ele do que ele algum dia ele deverá a Espanha. É por isso que ele não fica.