Em um célebre julgamento sobre obscenidade e liberdade de expressão, o juiz da Suprema Corte americana Potter Stewart disse que não tentaria definir o que é pornografia. “Mas eu sei o que é quando a vejo”, acrescentou.

A frase me veio à mente diante da excitação frenética que tomou conta do Congresso nos dias que antecederam esta segunda-feira, quando os novos presidentes da Câmara e do Senado serão eleitos por seus pares. Você sabe o que é pornografia política quando vê acontecer.

A salinha onde a maior parte da orgia transcorreu foi a do general Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política do governo. Os parlamentares batiam à porta, declaravam voto em Arthur Lira (PP-AL) ou Rodrigo Pacheco (DEM-MG), candidatos de Jair Bolsonaro ao comando das Casas, deixavam o nome numa planilha e depois podiam abusar da administração pública, ali prostrada para quem quisesse possuir seus cargos e apalpar suas verbas. 

De tempos em tempos, a moça exausta foi tirada do gabinete e arrastada, sempre nua, para a casa de algum deputado ou senador, onde a farra prosseguia. 

Enquanto não houver uma reforma política profunda e não cair drasticamente o número de partidos no Brasil, o “presidencialismo de coalizão”  terá sempre de promover a partilha de espaço na administração pública. Há maneiras melhores e piores de fazer isso. 

Quanto mais houver concordância programática entre os integrantes da coalizão, melhor. Quanto menos houver, mais a parceria estará assentada no fisiologismo, e mais espaço haverá para chantagens e traições internas. 

Bolsonaro não está formando uma coalizão. Está formando uma aglomeração política, mais instável do que aquelas que provoca quando sai à rua em meio à pandemia, porque desprovida de convicções e motivada apenas pela fome por cargos e verbas.

Para ter algum controle – ou ao menos a ilusão de algum controle – sobre a pauta legislativa, Bolsonaro fez com a estrutura e os recursos do governo o mesmo que a avó desalmada fez com Erêndira, na novela de Gabriel Garcia Marquez. 

Nunca mais o capitão poderá estufar o peito para denunciar o toma lá dá cá, pois o praticou como se não houvesse amanhã. 

Pelos critérios que ele mesmo estabeleceu durante a campanha de 2018, quando dizia que presidentes que negociam cargos para controlar o Congresso interferem no exercício do Poder Legislativo, infringem o artigo 85 da Constituição e praticam crime de responsabilidade, Bolsonaro estaria obrigado a protocolar um processo de impeachment contra si mesmo.  

Quanto aos parlamentares, esta legislatura teve a oportunidade única de melhorar  a percepção dos brasileiros sobre o Congresso. Nos últimos dois anos, diante de um governo ao mesmo tempo hostil e incompetente, mostrou em vários momentos que poderia ter vida própria, fora da sombra do Executivo. Em vez de aprofundar esse processo, voltou correndo para as práticas fisiológicas, na primeira oportunidade. Não importa o que façam os próximos chefes da Câmara e do Senado, a maneira como foram eleitos será lembrada.

E depois os políticos reclamam quando a antipolítica varre o país.