Raquel de Morais Amendoeira, de 33 anos, mora sozinha em uma casa no bairro do Limão, zona norte de São Paulo. Até julho, trabalhava fora quase o dia todo e consumia apenas 2 mil litros de água por mês. Na teoria, esse volume custaria a ela R$ 9. Mas na prática a fatura emitida pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi cinco vezes maior (R$ 44,76), como se ela tivesse gasto 10 mil litros.

A distorção na conta de água da assistente de produção é fruto de uma cobrança mínima compulsória de 10 mil litros mensais imposta a todos os clientes da estatal. Embora o método seja adotado há décadas por quase todas as empresas estaduais de saneamento do País, auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) decidiram calcular sua consequência.

A conclusão foi de que a Sabesp arrecadou, apenas em 2014, R$ 813 milhões com tarifa em todo o Estado sem prestar os serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto. O valor corresponde a 9% da receita total (R$ 8,9 bilhões) daquele ano. A estatal diz que “segue as regras tarifárias determinadas pela legislação e pela agência reguladora” do setor, a Arsesp.

Segundo relatório de fiscalização do órgão, concluído em março deste ano, a Sabesp faturou em 2014 um total de 573,5 bilhões de litros de água dos clientes que consomem de 0 a 10 mil litros por mês e pagam a tarifa mínima de R$ 44,76, arrecadando R$ 1 bilhão. Mas, de acordo com a auditoria, apenas 331,4 bilhões de litros foram efetivamente fornecidos aos usuários dessa faixa de consumo, ou seja, 57,8% do total.

Essa diferença de 242 bilhões de litros gerou uma receita “extra” de R$ 455,5 milhões apenas na tarifa de água, que equivale a metade da conta. Reproduzindo o cálculo com o esgoto cobrado pela Sabesp na fatura, mas que na prática não foi coletado (197,8 bilhões de litros), o valor chega a R$ 357,5 milhões.

“Concluímos que esse modelo apresenta como principal desvantagem a falta de incentivo para racionalização e diminuição do consumo de água, uma vez que mesmo que o usuário reduza o consumo continuará pagando pelo serviço correspondente ao volume de 10 m³ (conta mínima mensal). Essa desvantagem ganha contornos ainda maiores em época de crise hídrica”, afirma o TCE.

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Para Raquel, que sofreu cortes diários de abastecimento durante dois anos por causa do racionamento de água feito pela Sabesp durante a crise hídrica, a cobrança mínima compulsória não é justa. “Entendo que o serviço tenha um custo, mas não tão alto assim. É como se morasse uma família na minha casa. O bônus que deram na época da contenção foi pouco perto do que já cobraram a mais”, disse.

Abuso

Carlos Thadeu, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirma que o Código de Defesa do Consumidor “prevê abusividade de uma cláusula que estabeleça vantagem exagerada, como ônus excessivo ao consumidor”.

Segundo ele, embora seja muito difícil conseguir na Justiça a devolução dessa “apropriação indevida”, as autoridades deveriam rever essa distorção na próxima reestruturação tarifária, que será feita no ano que vem, e ainda “compensar” os clientes que já pagaram a mais.

No relatório, o TCE afirma que uma das alternativas possíveis ao atual modelo é o sistema de “tarifas binárias”, composto de uma tarifa fixa, de acesso ao serviço, e uma variável, aplicada em razão do consumo efetivo, “uma vez que esta alternativa incentiva a racionalização do consumo e proporciona transparência ao custeio das atividades relacionadas à oferta dos serviços”.

Defesa

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) afirmou, em nota, que “segue as regras tarifárias determinadas pela legislação e pela agência reguladora de saneamento e energia”, a Arsesp.

A estatal destacou que está em curso um processo de revisão tarifária coordenado pela agência que será concluído em 2017 e que conta com a participação da sociedade. “O debate determinará o nível e a estrutura tarifária para a Sabesp nos próximos anos”, diz.

O presidente da Sabesp, Jerson Kelman, já defendeu publicamente a alteração da cobrança mínima compulsória de 10 mil litros. Ele disse que cobrar o mesmo valor de quem consome menos, como 2 mil litros, por exemplo, é um “contrassenso” e sugeriu um sistema de tarifa binária, com uma taxa de conexão fixa e uma variável conforme o consumo, a exemplo da proposta feita pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Critério

Já a Arsesp informou, por sua vez, que o consumo mínimo de 10 mil litros é adotado há décadas por praticamente todas as empresas de saneamento estaduais e que “esse critério leva em conta, entre outros fatores, o tamanho médio de uma família e padrão de consumo de 70 litros/habitante/dia”. “Mesmo que o usuário não consuma nenhum metro cúbico de água, ainda existem custos decorrentes da ligação: leitura, faturamento, remuneração de investimentos, manutenção da rede. Ou seja, os chamados custos de disponibilidade do serviço”, afirma a agência.


Segundo o órgão, a estrutura tarifária da Sabesp “será objeto de amplo debate com a realização de consultas e audiências públicas, no curso do processo de revisão tarifária previsto para 2017”. Hoje, as tarifas são divididas em quatro categorias: até 10 mil litros, de 11 a 20 mil, de 21 a 50 mil e acima de 50 mil.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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