SÃO PAULO, 8 DEZ (ANSA) – Por Beatriz Farrugia – A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel inflamou os ânimos de países árabes e provocou uma onda de protestos pela Faixa de Gaza e Cisjordânia que já contabiliza mais de 750 feridos em apenas dois dias. Anunciada no dia 6 de dezembro, a medida foi duramente criticada por toda a comunidade internacional, incluindo União Europeia e o Vaticano, que temem um enfraquecimento das negociações de paz e uma escalada de violência na região. Na prática, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel virá com a instalação da embaixada dos Estados Unidos na cidade.   

Atualmente, todos os países que mantêm relações diplomáticas com Israel instalam suas representações em Tel Aviv, adotando a prática sugerida pelas Nações Unidas de neutralidade em Jerusalém, já que o local é sagrado para as três maiores religiões monoteístas, a judaica, islâmica e cristã. Em 1947, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou o plano de partilha da Palestina entre um Estado árabe e outro judeu, Jerusalém foi nomeada como “corpus separatum” (corpo separado), sob controle internacional. Mas, na prática, isso nunca ocorreu.   

Com 850 mil habitantes, Jerusalém já é a cidade onde Israel mantem seus escritórios administrativos e de governo, como o Knesset (Parlamento). Cerca de 65% dos moradores de Jerusalém são judeus, 32% são muçulmanos e 2%, cristãos. A questão crucial é que as frágeis negociações de paz entre palestinos e israelenses abordavam a perspectiva de que Jerusalém Ocidental seria a capital de Israel, enquanto Jerusalém Oriental ficaria como capital de um futuro Estado palestino. Esse reconhecimento, porém, era esperado pela comunidade internacional para ser feito simultaneamente e evitar tensões. A instalação da embaixada de Israel em Jerusalém era uma promessa de campanha de Trump, e há 20 anos já fora aprovada pelo Congresso dos EUA. A transferência de embaixada está prevista em uma lei que o Congresso aprovou em 1995, a qual estipulava 31 de maio de 1999 como data final para a mudança de sede da embaixada. No entanto, a norma incluía a possibilidade de adiamento da medida por seis meses, caso necessário, para “proteger os interesses de segurança nacional”. Desde então, todos os presidentes – Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama – adiaram a implantação da medida. O deslocamento da embaixada norte-americana para Jerusalém deverá demorar ao menos dois anos para ser concluído. Mas a medida já causa efeitos na região e abre um período de incertezas em relação ao futuro. A pedido da ANSA, o especialista Samuel Feldberg, doutor em ciências políticas pela Universidade de São Paulo (USP) e professor convidado da Universidade de Tel-Aviv, tentou esboçar quais motivos podem ter contribuído para Trump anunciar a mudança da embaixada neste momento. 1)Política interna: O primeiro ponto levantado pelo especialista se refere à situação atual da política interna norte-americana.   

Envolvido em polêmicas desde que tomou posse, em janeiro, Trump enfrenta sérias acusações relacionadas à interferência da Rússia nas eleições presidenciais. Nesta semana, vieram à tona novos indícios de trocas de e-mails e contatos do filho do magnata, Trump Jr., com representantes de Moscou. Em média, 56% da população desaprova a gestão do magnata, que tem o apoio integral de apenas 38% dos eleitores no momento, de acordo com dados de uma pesquisa de 6 de dezembro da Gallup. Como a mudança da embaixada para Israel era uma promessa de campanha de Trump, a decisão de anunciá-la neste momento pode estar ligada a uma tentativa de recuperação de apoio entre seus eleitores, pois muitas de suas outras promessas, como o fim do Obamacare, ainda enfrentam entraves no Congresso. Outras, como a construção do muro na fronteira com o México, ainda não saíram do papel. “Com o bombardeio de críticas que Trump vem sofrendo e investigações polêmicas, uma decisão como esta, de Jerusalém, desvia a atenção pública”, disse Feldberg. 2)Apoio de eleitores religiosos – A segunta questão apontada pelo especialista se refere à ligação do vice-presidente Mike Pence com a área conservadora e evangélica. A decisão de Trump pode ter sido uma manobra para angariar apoio do eleitorado religioso, já que uma grande ala dentro dos evangélicos conservadores simpatizam com as causas judaicas e sentem uma conexão com o Estado judeu baseada na Bíblia. 3)Estratégia para processo de paz – Apesar de toda a comunidade internacional acreditar que a mudança da embaixada para Jerusalém afetará as negociações entre palestinos e israelenses, Samuel Feldberg especula que pode ter sido até uma manobra pensada pelo governo para justamente acelerar o diálogo. “Se os americanos estiverem pensando em uma proposta para reativar as negociações entre Israel e Palestina, isso pode dar um recado enfático para os palestinos: sobre Jerusalém não há o que discutir, a não ser a divisão da cidade como dois Estados”, comentou o especialista.   

De acordo com ele, Trump é visto como antissemita pela extrema-direita israelense. Com sua decisão de mudar a embaixada, os EUA poderiam esvaziar os argumentos desta ala e pressionar para que Israel aceite um acordo de paz. “Em Israel, a extrema-direita está muito preocupada com o preço que vai ter que pagar, porque esse reconhecimento não veio de graça”, pontuou. No entanto, saber exatamente o porquê Trump tomou essa decisão é a pergunta que vale milhões, que não quer calar”, admitiu o especialista. “Os EUA deixaram de ser um grande operador no Oriente Médio. Quem está dando as cartas hoje é a Rússia. Mas ninguém sabe o que pode vir na sequência”, acrescentou. (ANSA)