A realização dos jogos olímpicos é sempre um evento histórico para a humanidade. É o momento que, em meio a um ambiente de paz e confraternização entre os povos, forjamos os heróis que serão eternizados nas páginas do tempo. A Olimpíada de Tóquio, que começa hoje, tinha tudo para ser a mais incrível da história – tanto pela tradicional organização oriental quanto pelos avanços tecnológicos característicos do povo japonês. Com a pandemia, porém, teremos a olimpíada mais estranha da história. A começar pela data: em 23 de julho de 2021, começam os Jogos Olímpicos de 2020.

É uma pena constatar que a festa de Tóquio será vista presencialmente por poucas pessoas. Estádios maravilhosos e arenas deslumbrantes foram construídas e reformadas, mas serão aproveitadas apenas pelo público que assiste pela TV. Para falar a verdade, isso não importa: só o fato de termos uma Olimpíada já é uma vitória gigantesca. É uma prova de que somos capazes de enfrentar qualquer desafio para afirmar a identidade humana – apesar da ignorância e intolerância ainda presentes em grande parte da população mundial.

A tradicional cerimônia de abertura é sempre um evento emocionante, mas dessa vez a emoção também foi diferente. Ao slogan “Mais Rápido, Mais Alto e Mais Forte”, que define a busca pela superação dos limites, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, anunciou que seria adicionado o complemento “Juntos”. Não é apenas simbolismo: é a compreensão de que não adianta ser o melhor quando não há contra quem competir. Os adversários, em todas as modalidades, são tão essenciais quanto os vencedores. Um bom momento para lembrar que, desde março de 2020, estamos isolados – mas nunca sozinhos.

Os momentos sensíveis da cerimônia não foram poucos. As cenas de atletas solitários no estádio monumental foi um fiel retrato do período em que vivemos. O desfile das delegações, quando os atletas tradicionalmente podem curtir seu protagonismo, teve pouca gente em cena. Não foi possível sequer apreciar a diversidade estampada nos rostos dos integrantes das 205 nações participantes, uma vez que estavam todos de máscaras. Um detalhe incômodo, pelo menos para mim: para quem assistia ao desfile, parecia que muitos ali estavam mais preocupados com seus celulares que com as bandeiras que representavam.

Curiosidades: a delegação brasileira foi uma das menores, com apenas quatro pessoas. Confesso que foi um pouco constrangedor ver os atletas desfilando de sandálias havaianas, um acessório que pode até ser bem “brasileiro”, mas que não combina nada com uma competição esportiva – deu a impressão de que estamos lá a passeio. Já a Rússia, impedida de participar por envolvimento de seu comitê olímpico em esquemas de doping, desfilou sob a bandeira do… comitê olímpico russo. Não deu para entender direito, portanto, qual foi a punição. Mais bonito foi ver os 35 atletas da delegação dos refugiados, a maior da história. Nada mal para quem representa 80 milhões de pessoas, uma população maior que a maioria dos países “oficiais”. E quem não se surpreendeu ao ver a delegação da China e, na sequência, a delegação de “Hong Kong, China”? Alguém precisa se decidir de qual país eles fazem parte. Acredito que o Partido Comunista Chinês “comeu bola”, como se diz em linguagem popular.

O estádio olímpico estava praticamente vazio, com apenas mil pessoas em um local com capacidade para 68 mil. Havia poucas autoridades presentes. Duas chamaram a atenção: a primeira-dama dos EUA, Jill Biden, e o imperador do Japão, Naruhito. Ela, pela animação; ele, pela sisudez. O público escasso assistiu a uma cerimônia minimalista, com destaque para a performance conjunta de um ator de teatro Kabuki, típico do Japão, e a pianista de jazz Hiromi Uehara. Houve também muito simbolismo nos rituais olímpicos, com presença equilibrada de homens e mulheres, além de atletas paraolímpicos e idosos.

Para marcar esta que é, certamente, a Olimpíada da diversidade, a escolhida para acender a pira olímpica foi a tenista Naomi Osaka: negra, filha de uma japonesa com um haitiano. As mulheres, em Tóquio, têm algo a mais a celebrar: é a primeira vez que correspondem a praticamente metade dos atletas. Parece algo óbvio, mas é bom lembrar que elas foram aceitas em todas as modalidades olímpicas apenas em 2012. O esporte mais tradicional dos jogos, a maratona, por exemplo, só teve prova feminina a partir de 1984, em Los Angeles. Antes, a disputa era proibida porque “as mulheres eram muito frágeis” e “não conseguiriam correr uma distância tão longa”. Também foram homenageados os profissionais da saúde e de serviços básicos, que nos ajudam a sobreviver durante essa pandemia – médicos e enfermeiros carregaram a bandeira olímpica.

A parte musical foi bem interessante: houve muitas referências a músicas de videogames e animes, parte intrínseca da cultura local. A japonesa Yoko Ono, co-autora de “Imagine” junto com John Lennon, recebeu homenagem, assim como Angélique Kidjo (África), John Legend (Américas), Alejandro Sanz (Europa) e Keith Legend (Oceania), representantes dos continentes que foram escolhidos para dividir a canção. Percebi que até “Teo Torriate (Let Us Cling Together)”, do Queen, entrou na trilha sonora. O momento mais emocionante, no entanto, foi silencioso: centenas de drones alinhados com perfeição construíram o planeta Terra no céu de Tóquio. Uma boa metáfora: o homem e a tecnologia podem construir o planeta. Juntos.

Agora que a cerimônia deu a largada oficial a esse megaevento, temos que torcer para que os protocolos de segurança sejam suficientes e seguros para todos. Antes mesmo das primeiras medalhas, porém, quero dizer que já escolhi meus heróis olímpicos: todos os atletas. Sim, porque mesmo enfrentando uma preparação repleta de condições desfavoráveis, se superaram para fazer parte desse sonho. A medalha será apenas um detalhe – o importante, sempre, é ser humano.