A diplomacia brasileira não anda fazendo alianças nem sequer dentro de casa. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, coleciona desafetos e provoca temor entre antigos colegas, subordinados e chefes. Sua política de tolerância zero contra quem não concorda plenamente com a cartilha pró-EUA do governo Bolsonaro nega as tradições do Itamaraty, que sempre tentou se apresentar como uma instituição equilibrada ­— com diferentes graus de sucesso. Sem contar que críticas às esdrúxulas opiniões que o ministro expressa em seu blog Metapolítica 17 contra o que chama de “globalismo” também podem render um visto para o ostracismo.

EXONERADA Letícia Catelani se disse perseguida
e vítima de corruptos, mas sem apresentar provas

om o intuito de renovar o ministério e a forma de fazer política externa, um grupo de embaixadores acabou em casa esperando a aposentadoria ou alguma nova designação. Outros migraram temporariamente para instituições governamentais. Há também gente jogada em posições subalternas, como a ex-embaixadora em Gana, Irene Vida Gala. Com mais de 34 anos de experiência e passagens por representações em Portugal, Itália, Angola, África do Sul e na sede da ONU, hoje ela é subchefe de um escritório obscuro em São Paulo e dá palestras. Diante disso, diplomatas mais jovens temem se expor.

Choro e inquisição

Mas de onde veio todo esse furor? Araújo era um discreto diplomata de carreira, gaúcho, 52 anos completos na próxima quarta-feira 15, casado com a colega Maria Eduarda e genro do embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa. Quem trabalhou com ele fazia comentários positivos. Até que foi apresentado a Olavo de Carvalho durante seu período como ministro-conselheiro na embaixada em Washington. O cartão de visitas como conservador que luta para salvar o Ocidente cristão foi para Ernesto uma espécie de Caminho para Damasco ­— episódio bíblico em que são Paulo é convertido. Acabou alvo de chacota de liberais, moderados e esquerdistas, ganhando os apelidos de Arnie, Arnesto e Beato Salu. Só Olavão gostou, tanto que o indicou. Contrariando as regras do ministério, virou o chanceler mais novo da história sem ao menos ter assumido uma embaixada. Muita gente influente não gostou.

ALMIRANTE Sérgio Segóvia assumiu a Apex por pressão da ala militar, que deseja uma agência de fomento com caráter técnico (Crédito:Divulgação)

Agora crescem as pressões. Durante a formatura de diplomatas, na sexta-feira 3, Araújo comparou Bolsonaro a Jesus Cristo e foi às lágrimas. Também afirmou que “diplomacia não significa ficar em cima do muro” e que é preciso “ter sangue nas veias”.

Depois criticou a Venezuela de Maduro e a possibilidade de eleição de Cristina Kirchner na Argentina. São posicionamentos que um presidente eleito pode adotar, mas que não convém a um chanceler. As lágrimas também podem ter sido uma prefiguração do revés que veio na segunda-feira 6, quando teve que ceder à ala militar do governo, contrária ao bloco olavista.

Com a nomeação do contra-almirante Sérgio Segóvia para a presidência da Apex, a Agência de Promoção à Exportação, veio a exoneração dos diretores Márcio Coimbra e Letícia Catelani, ligados a Eduardo Bolsonaro. Em abril, ambos foram responsáveis pela queda do embaixador e ex-presidente da agência Mario Vilalva, que chamou Araújo de desleal por dar poder aos novos diretores sem consultá-lo. Em fevereiro, o ministro também havia afastado por discordâncias o embaixador Paulo Roberto de Almeida da direção do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais, o braço acadêmico do Itamaraty. Na ocasião, o ex-chanceler Celso Lafer afirmou que o pluralismo acabara: “O chanceler se unge da lembrança de Torquemada, um grande inquisidor”. Como resultado, o MRE virou palco de disputas e mal-estar. Para arrumar o estrago será preciso mais do que as citações em grego koiné que Araújo tanto aprecia. Pena que seu melhor argumento em defesa do Brasil culpe o resto do mundo por adotar uma “visão muito superficial” sobre o governo Bolsonaro.

Araújo é o mais jovem ministro das Relações Exteriores, sem ao menos antes ter assumido uma embaixada. Muita gente detesta a escolha

Igualdade de gênero
Um memorando reservado instruiu quem atua junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) a não usar mais a expressão “igualdade de gênero”, que deve ser substituída por “igualdade entre homens e mulheres”

Embaixadores de pijama
Pelo menos meia dúzia de diplomatas estão sem ter o que fazer. Recebem do erário público (e bem) para ficar em casa aguardando a aposentadoria ou novas designações. Ninguém reclama abertamente, mas há descontentamento e indignação

Odisseia x globalismo
O curso preparatório do Instituto Rio Branco perdeu aulas sobre América Latina e economia. No lugar, estudos sobre Homero, Tucídides, Platão, Aristóteles, são Thomas e santo Agostinho, tidos como fundamentais para o mundo ocidental cristão