Por que rota para fim de combustíveis fósseis virou impasse na COP30?

Por que rota para fim de combustíveis fósseis virou impasse na COP30?

"DezenasConferência do clima em Belém caminha para o fim sob risco de não chegar a um acordo. Texto final não deve tratar de um tema central nas discussões: como o mundo pode se livrar da dependência de petróleo, gás e carvão.Há dois anos, após um debate acirrado na COP28 em Dubai e quase três décadas de conferências climáticas anuais, os países participantes finalmente reconheceram a necessidade de "abandonar os combustíveis fósseis", a maior causa do aumento das temperaturas no planeta .

Uma rota (roadmap) para acelerar a mudança para as energias renováveis poderia fornecer dicas sobre como fazer essa mudança, traduzindo em ações concretas compromissos assumidos para frear o aquecimento global e os consequentes eventos climáticos extremos.

Até hoje isso não aconteceu e, ao que tudo indica, não será na COP30 que um plano global para esse desmame será traçado. Os anfitriões brasileiros chegaram a cogitar mencionar um roteiro para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, mas o tema ficou de fora da agenda oficial e do último rascunho do texto final da cúpula – o documento mais aguardado.

Países ricos e em desenvolvimento que foram a Belém em busca de reduções mais ambiciosas nas emissões formaram uma coalizão, com a Colômbia liderando esse movimento. Cerca de 30 países da Europa, África, América Latina e pequenos Estados insulares em desenvolvimento apoiaram a iniciativa e ameaçam bloquear o acordo , caso a menção aos combustíveis fósseis não entre no texto final.

"Esta não pode ser uma agenda que nos divida", defendeu o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, em uma sessão plenária pública. "Precisamos chegar a um acordo entre nós."

O presidente da Iniciativa do Tratado sobre Combustíveis Fósseis, o sul-africano Kumi Naidoo, afirmou que o rascunho do texto final da COP30, divulgado nesta sexta-feira (21/11), está muito aquém do que se esperava – e do que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu.

"A falta de um plano concreto para lidar com a produção de carvão, petróleo e gás só aumenta a urgência de um Tratado sobre Combustíveis Fósseis. Não podemos nos dar ao luxo de esperar mais um ano por outro sinal político fraco enquanto comunidades inteiras queimam e se afogam."

Pressão contrária

O tema dos combustíveis fósseis tem sido há muito tempo politicamente controverso nas conferências climáticas, e aqueles que defendem um roteiro para uma transição energética enfrentam forte oposição de alguns setores, principalmente de nações produtoras de petróleo, como a Arábia Saudita e o Irã.

Um negociador presente em Belém estimou que cerca de 70 países se oporiam a qualquer nova decisão da COP30 que abordasse combustíveis fósseis.

De acordo com um relatório divulgado esta semana pela Kick Big Polluters Out, uma coalizão de 450 organizações, um em cada 25 participantes em Belém representa a indústria de combustíveis fósseis.

Esses enviados superam em número as delegações de todos os países, exceto o Brasil, e têm dois terços a mais de credenciais para a conferência do que os dez países mais vulneráveis às mudanças climáticas juntos.

Entre os lobistas com vínculos com o petróleo, carvão e gás presentes na COP30, estão representantes das gigantes da energia ExxonMobil, Shell e TotalEnergies, bem como empresas petrolíferas estatais, aponta a coalizão.

O relatório destaca uma preocupação crescente de que aqueles com interesse em manter a dependência dos combustíveis fósseis tenham influência desproporcional nas cúpulas da COP.

"É senso comum que não se pode resolver um problema dando poder àqueles que o causaram", disse Jax Bonbon, membro da coalizão.

Embora algumas grandes empresas de petróleo e gás estejam planejando diminuir a produção no longo prazo, há uma tendência geral de aumentá-la no curto prazo.

O financiamento público de combustíveis fósseis aumentou 75 bilhões de dólares (R$ 403 bilhões) por ano desde 2014, chegando a um total de 1,6 trilhão de dólares (R$ 8,6 trilhões) anual, de acordo com pesquisas recentes.

Na COP28, em Dubai, as principais nações produtoras de petróleo resistiram aos apelos para a transição para fontes de energia renováveis , propondo, em vez disso, a alternativa de eliminar gradualmente as emissões de combustíveis fósseis usando tecnologias como captura e armazenamento de carbono, que ainda não foram testadas em grande escala.

A China é outro exemplo de país que não dirá publicamente que vai eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, disse Bin Hu, do Instituto de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Tsinghua, na China, à DW. "Porque a China precisa equilibrar o desenvolvimento econômico, a segurança energética e também o combate às mudanças climáticas ao mesmo tempo."

Ele acrescentou que certas regiões da China estão preocupadas com a forma como a transição para a energia limpa pode aumentar o desemprego.

Como o Brasil se posiciona?

O Brasil chegou a considerar as demandas por um mapa do caminho para redução de combustíveis fósseis. No entanto, diante das divergências e para resguardar outras agendas da cúpula, as metas de redução de petróleo, carvão e gás natural ficaram de fora.

O presidente Lula — ele próprio criticado por aprovar um projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas — exortou os líderes mundiais a trabalharem para acabar com a dependência dos combustíveis fósseis.

Em seu "Apelo de Belém pelo Clima", Lula defendeu um cronograma para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e maior apoio financeiro aos países em desenvolvimento.

A pressão diplomática em Belém foi apoiada pela ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva , que disse ser a favor de um roteiro "porque ele estabelece as bases para uma transição justa e planejada" para longe do petróleo, carvão e gás poluentes.

Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático, na Alemanha, disse à DW que os avanços em outras questões importantes da COP30, como a proteção florestal ou o financiamento para a adaptação, "só podem ser comemorados se também houver progresso na eliminação gradual dos combustíveis fósseis".

Colaboraram Sofia Fernandes, Tim Schauenberg e Beatrice Christofaro