Por que os ultraprocessados são tão atrativos?

Formulações ricas em açúcar, sal, gorduras e substâncias artificiais tornam os salgadinhos e biscoitos mais palatáveis. Consumo pode dobrar risco de doença intestinal inflamatória, diz novo estudo

Ultraprocessados: menina observa donuts
Foto: Freepik

Com uma infinidade de opções, sabores, cores e embalagens atrativas, os ultraprocessados estão cada vez mais comuns no cardápio dos brasileiros. Macarrão instantâneo, salgadinhos, refrigerantes, salsichas e biscoitos recheados são alguns dos produtos mais lembrados – mas a lista é longa. Você sabe, porém, o que define um alimento ultraprocessado?

São formulações industriais que contém pouco ou nenhum alimento inteiro em sua composição e uma grande quantidade de açúcar, sal, gorduras e outras substâncias artificiais como corantes, aromatizantes e flavorizantes. Esses aditivos são incluídos justamente para deixar os produtos mais atraentes ao paladar e assim cair no gosto da população. “Faz parte da própria arquitetura dos alimentos ultraprocessados o fato de serem hiperpalatáveis, ou seja, formulados para estimular intensamente nossos sentidos”, explica a nutricionista Evelyn Frade, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens-USP).

Não é de surpreender, portanto, que o consumo desses produtos venha crescendo no Brasil. Segundo pesquisa do Nupens-USP, em uma década, o aumento foi de 5,5%. O problema é que, paralelamente à popularização dos ultraprocessados, aumenta também o surgimento de doenças relacionadas à alimentação, da obesidade ao diabetes e às doenças cardiovasculares. Por isso, é fundamental saber identificar esses alimentos, por que são tão gostosos e os riscos para a saúde.

In natura, processados e ultraprocessados: qual a diferença?

Os alimentos podem ser divididos em quatro categorias principais, segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde: in natura ou minimamente processado, ingrediente culinário processado, processados e ultraprocessados.

A primeira delas diz respeito aos alimentos encontrados na natureza como frutas, legumes, folhas, ovos e leite. A segunda categoria corresponde a ingredientes extraídos de alimentos in natura e que são usados para cozinhar, como óleos, azeite, sal e açúcar. Os processados, por sua vez, são alimentos in natura fabricados com adição de sal, como legumes em conserva, frutas em calda, queijos e pães. Já os ultraprocessados passam por diversas etapas e técnicas de processamento e contém vários ingredientes, muitos deles de uso exclusivamente industrial. Nessa última categoria já não se reconhece mais o alimento original.

Um exemplo prático dessas classificações pode ser observado em derivados do milho, como explica a nutricionista e diretora da Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN), Fabiana Poltronieri: “uma espiga de milho é um alimento in natura. Quando eu tenho milho em conserva, em lata, ele é um alimento processado. Agora, um salgadinho de milho é um alimento ultraprocessado”.

A nutricionista ressalta que essa classificação é importante para entender que nem tudo que vem em uma lata ou embalagem é, necessariamente, ruim. “Os alimentos industrializados passam por procedimentos que preservam os nutrientes e fazem com que eles tenham uma vida na prateleira maior, ampliando o acesso a alimentos seguros”, afirma.

Por que os ultraprocessados são gostosos?

Como você leu no início da reportagem, tanto as grandes quantidades de açúcar, sal e gorduras, quanto o uso de aditivos cosméticos, como corantes, aromatizantes e flavorizantes nos alimentos ultraprocessados, fazem com que eles se tornem mais atraentes. “Esses aditivos conferem sabor, aroma, textura e aparência que imitam alimentos de verdade. A combinação desses elementos resulta em produtos que ativam de forma exagerada o nosso paladar e, assim, favorecem o consumo excessivo”, explica a pesquisadora do Nupens, Evelyn Frade.

A liberação do neurotransmissor dopamina, que está ligada à regulação do humor e à motivação no cérebro, também está por trás do problema. “Existem evidências de que esses aditivos impactam o sistema de recompensa, fazendo as pessoas consumi-los cada vez mais”, diz Fabiana Poltronieri, da ASBRAN.

Esses mecanismos podem tornar os alimentos ultraprocessados viciantes? “Sabemos que o estímulo excessivo que os alimentos ultraprocessados provocam no paladar favorecem o consumo em excesso. Mas o efeito viciante propriamente dito ainda está sendo investigado pela comunidade científica”, responde a pesquisadora do Nupens-USP.

Por fim, outro fator que estimula o consumo é a praticidade. Além de mais baratos, os alimentos ultraprocessados podem também ser mais simples de transportar e conservar, em comparação aos alimentos in natura. O que faz com que sejam encontrados em qualquer loja – até mesmo no transporte público. “Além disso, as embalagens são projetadas para manter aquelas características sensoriais, como o cheiro, a crocância e o sabor marcante. Você abre facilmente, começa a comer e, por conta da alta palatabilidade, come rápido”, acrescenta a nutricionista Fabiana Poltronieri.

Ultraprocessados são associados a doenças crônicas

Ainda que alimentos frescos continuem sendo a base predominante da alimentação brasileira, eles vêm perdendo espaço para os ultraprocessados, como mostrou a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), de 2018. Na época, os ultraprocessados já representavam cerca de 20% do total de calorias ingeridas pela população brasileira.

Essa substituição traz muitos riscos para a saúde. Segundo a pesquisadora Evelyn Frade, do Nupens-USP, cerca de 32 doenças estão associadas ao consumo de alimentos ultraprocessados. Um estudo recente da USP, por exemplo, relacionou esses produtos a mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, além de obesidade, diabetes e câncer. Na análise, os pesquisadores estimaram que 57 mil pessoas morrem nessas condições a cada ano no Brasil por consumirem alimentos ultraprocessados, o que corresponde a 10,5% de todas as mortes precoces de adultos entre 30 e 69 anos no país.

Efeito semelhante foi demonstrado em uma nova pesquisa feita pela McMaster University, no Canadá: de acordo com os achados, dietas ricas em grãos ultraprocessados (como pães e biscoitos industrializados) aumentam o risco de doença inflamatória intestinal (DII). Publicado no The American Journal of Gastroenterology, o estudo envolveu cerca de 125 mil pessoas de 21 países e observou que essa probabilidade pode ser duas vezes maior em indivíduos que consomem a partir de 19 g de grãos ultraprocessados por dia.

Apesar de serem saborosos para o paladar de muita gente, além de acessíveis e práticos, a ciência deixa claro que esse tipo de alimento deve ser consumido com moderação — orientação que também faz parte do Guia Alimentar para a População Brasileira.