Por que os presidentes estão escolhendo ministros mais próximos para o STF

Favoritismo de Messias para substituir Barroso é baseado na relação com Lula; especialistas veem cálculo de riscos na escolha

Lula ao lado de Jorge Messias, ministro-chefe da AGU e favorito à indicação ao STF
Lula ao lado de Jorge Messias, ministro-chefe da AGU e favorito à indicação ao STF Foto: Ricardo Stuckert / PR

O favoritismo do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à vaga aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso reforça uma tendência de que a proximidade e a lealdade ao chefe do Executivo sejam critérios prioritários para a escolha dos magistrados, segundo especialistas ouvidos pela IstoÉ.

Desde que retornou à Presidência da República, em janeiro de 2023, o petista indicou Cristiano Zanin, seu advogado nos processos da Operação Lava Jato, e Flávio Dino, aliado no período como governador do Maranhão e então ministro da Justiça, para os lugares de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.

Nos dois casos, tanto analistas quanto aliados de Lula concordaram que o nível de confiança pesou a favor dos nomes selcionados. O contexto se reproduz agora, dando vantagem a Messias em relação a postulantes como o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Bruno Dantas, ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).

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Lula ratifica Temer e Bolsonaro

Ao priorizar a alocação de aliados no STF, Lula mudou seu próprio perfil de escolhas nos dois primeiros mandatos no Palácio do Planalto (entre 2003 e 2010), quando ungiu oito nomes à corte.

— Cezar Peluso, em 2003 (aposentado em 2012);

— Ayres Britto, em 2003 (aposentado em 2012);

— Joaquim Barbosa, em 2003 (aposentado em 2014);

— Eros Grau, em 2004 (aposentado em 2010);

— Ricardo Lewandowski, em 2006 (aposentado em 2023);

— Cármen Lúcia, em 2006 (segue na corte);

— Carlos Alberto Menezes Direito, em 2007 (morto em 2009);

— Dias Toffoli, em 2009 (segue na corte);

No geral, os magistrados empossados no período mantiveram o consenso de que chegar à cúpula do Judiciário era uma espécie de “coroação” da carreira no direito — ainda que houvesse exemplos de escolhas caracterizadas pela proximidade, como Marco Aurélio Mello, indicado pelo primo Fernando Collor em 1990, e Gilmar Mendes, ex-advogado-geral da União sob Fernando Henrique Cardoso, que o escolheu para o cargo em 2002.

Peluso, escolha inaugural do petista, havia sido desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entre 1986 e sua nomeação, em 2003. A atuação prolongada no TJ-SP também precedeu a indicação de Roberto Lewandowski.

Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia tiveram carreiras extensas como Procuradores de Justiça nos estados de Sergipe, Rio de Janeiro e Minas Gerais, respectivamente. Por sua vez, Menezes Direito foi por uma década ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), enquanto Eros Grau construiu uma trajetória reconhecida na Academia, lecionando em instituições como a Universidade de Sorbonne, em Paris, e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), antes de vestir a toga.

Por que os presidentes estão escolhendo ministros mais próximos para o STF

O ministro Dias Toffoli: advogado-geral da União de Lula, que o indicou ao STF

Lula viria a escolher um advogado-geral da União, cargo de confiança da Presidência, só em 2009. Antes mesmo do cargo no Planalto, o ministro Dias Toffoli advogou para o petista nas campanhas eleitorais de 1998, 2002 e 2006, assessorou a liderança do PT na Câmara dos Deputados e José Dirceu no Ministério da Casa Civil antes de assegurar o posto na corte. Na época, a escolha foi retratada pela imprensa como da “cota pessoal” do mandatário.

A avaliação corrente era de que o presidente teve a gestão fragilizada pelo “Mensalão”, esquema de corrupção que levou aliados — como o próprio Dirceu — para a cadeia, e tinha no Judiciário um eventual ponto de problemas futuros. No STF, Toffoli é um dos magistrados que mais se opõem à Lava Jato, mas também ficou no alvo do PT ao proibir o petista, na prisão, de ir ao velório do próprio irmão, Genival Inácio da Silva.

Para Rubens Glezer, professor de direito da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas) e coordenador do grupo de estudos Supremo em Pauta, da mesma instituição, os julgamentos do Mensalão e da Lava Jato criaram a percepção de que a corte havia se tornado um “ambiente de punição da classe política” e explicam a mudança que viria a ocorrer depois.

“O Senado passou a exercer um papel de disputa pelas indicações [para proteger seus integrantes], enquanto os presidentes passaram a buscar pessoas com quem pudessem manter diálogo, o que colocou na corte integrantes com perfil mais claro de habilidade para a política“, afirmou à IstoÉ.

Nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), a transformação se consolidou. Meses após chegar ao poder, o emedebista teve de substituir Teori Zavascki, morto em uma tragédia aérea em 2017. Não tardou a escolher Alexandre de Moraes, seu ministro da Justiça e ex-secretário de administrações que compunham com o MDB em São Paulo, nos governos de Geraldo Alckmin (então no PSDB) e Gilberto Kassab (no então Dem) — aprovado para o cargo com larga vantagem no Senado.

André Mendonça, ministro do STF

O ministro André Mendonça: escolha de confiança de Bolsonaro para o STF

Com Bolsonaro, a indicação de Kassio Nunes Marques, em 2020, teve amplo apoio do “centrão” em esforço para atrair o grupo à base do governo. No ano seguinte, o mandatário selecionou André Mendonça, chefe da Advocacia-Geral da União em dois períodos de seu mandato e, no intervalo, ministro da Justiça. Além da confiança absoluta do mandatário, o nome era encampado por lideranças evangélicas, como o pastor Silas Malafaia, em campanha aberta pela primeira cadeira para um crente no colegiado atual.

Um tribunal mais próximo

De volta ao poder, Lula manteve a tônica de Temer e Bolsonaro ao escolher nomes de estrita confiança para a corte. Em abril de 2023, para o lugar de Lewandowski, apontou Cristiano Zanin, seu advogado pessoal na Lava Jato, quando acabou preso por corrupção ativa e lavagem de dinheiro — condenação depois revogada pelo STF.

Eu acho que todo mundo esperava que eu fosse indicar o Zanin, não só pelo papel que ele teve na minha defesa, mas simplesmente porque acho que ele se transformará num grande ministro da Suprema Corte desse país”, disse o presidente na ocasião.

Meses depois, com a aposentadoria de Rosa Weber, o petista tirou Flávio Dino do Ministério da Justiça para ungi-lo à cadeira vaga. Antes do cargo na Esplanada, Dino teve Lula e o PT ao seu lado nos oito anos como governador do Maranhão, ainda filiado ao PCdoB, e se elegeu senador em 2022 também em relação de apoio mútuo.

A escolha levou a cúpula do Judiciário a ser composta por cinco ex-ministros do Estado — que serão maioria em caso de nomeação de Messias — e foi criticada mesmo por setores alinhados ao governo pela troca de uma ministra por um ministro, tornando Cármen Lúcia a única mulher no STF — ao longo da história, foram apenas três.

Cálculo de riscos

O advogado Marco Aurélio de Carvalho defendeu à IstoÉ que o ministro-chefe da AGU seja escolhido, entre outros motivos, com base na relação com o mandatário. “Uma vez preenchidos os requisitos de integridade moral e notável saber jurídico, o fundamental é confiança, que não se constrói da noite para o dia”, disse o coordenador do Prerrogativas, grupo de juristas que orbita o governo.

Por que os presidentes estão escolhendo ministros mais próximos para o STF

Rodrigo Pacheco (PSD-MG): mesmo com apoio de membros do STF, proximidade com Lula é menor que a de Messias

Na avaliação de Rubens Glezer, a escala de prioridades demonstra que, ao final, “as indicações têm sido predominadas pela preocupação pragmática em manter uma espécie de garantia permanente de acesso ao STF“. A percepção é divergente de Alessandro Soares, professor de direito constitucional do Mackenzie-SP, para quem os presidentes sempre utilizaram a chancela pessoal como critério número um para selecionar os potenciais magistrados. “A questão é que não havia uma discussão tão forte em torno disso”, ponderou à IstoÉ.

Para Álvaro Jorge, professor da FGV-RJ (Fundação Getulio Vargas) e autor de “Supremo Interesse: a Evolução do Processo de Escolha dos Ministros do STF” (Synergia, 2020), a prioridade dada a indicados mais leais aos presidentes que os escolhem é reflexo de uma mudança na dinâmica do Judiciário.

“Nos últimos anos, o cargo ficou sob o crivo constante do Legislativo e da própria sociedade, como anteriormente não ocorria, porque há um poder mais duradouro e impactante do que em cargos eletivos. Os últimos presidentes têm tentado evitar indicar pessoas cujo pensamento eles não conheçam bem”, disse à IstoÉ.

Ana Olsen, professora do mestrado acadêmico de direito da Uninter, considerou haver dois fatores por trás dessa tendência. “O Supremo sempre exerceu poder político, mas se viu mais embrenhado nos últimos anos por uma intensa judicialização da política, em que os ministros são mais acionados a tomar decisões com esse caráter. Ao mesmo tempo, Lula parece ter sentido ‘na carne’ esse papel e desenvolvido a percepção de que é preciso ter nomes alinhados quanto aos temas discutidos na corte”.

“Essa confiança quanto às posições dos magistrados é uma tendência do sistema de indicação presidencial, mas muitas vezes um indicado frustra as expectativas que o presidente depositou nele. Isso é muito bom, porque reforça o sistema de separação de Poderes e o equilíbrio republicano”, afirmou Olsen à IstoÉ.

Na mesma linha, Palma argumentou que a confiabilidade “não se confunde com subserviência ou vinculação à vontade de quem indica”. “O próprio ministro Barroso, escolhido por Dilma Rousseff, contrariou claramente seus interesses ao votar pela prisão de Lula”, acrescentou.