Pesquisadores de universidade de Israel buscaram elucidar mecanismos de reparo de danos ligados ao sono, que a curto e longo prazo cursam com uma série de doenças 

Por Carolina Kirchner Furquim, da Agência Einstein

Embora seja de conhecimento dos especialistas (e mesmo entre amadores) que o sono recupera a energia de um dia corrido, um grupo de pesquisadores da Universidade de Bar-Ilan, de Tel Aviv, em Israel, descobriu por que e como o organismo sabe que está cansado, e que é hora de ir para a cama, além de como ele contribui na renovação para o dia seguinte. Os resultados foram publicados no jornal científico Molecular Cell.

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Para responder a essas questões, a pesquisa observou peixes-zebra durante as horas de vigília e de repouso. Enquanto os animais estavam acordados, vários danos ao DNA foram se acumulando nos neurônios (principais células do cérebro). Tais danos têm origem múltipla, podendo ser causados por luz ultravioleta, atividade neuronal, radiação, estresse oxidativo e erros enzimáticos. Fatores internos das próprias células, como reações com oxigênio (que produzem os radicais livres, substâncias que provocam lesões celulares) e até erros na cópia do material genético também entram na lista.

Essa série de danos se acumula ao longo do dia, mas durante as horas de sono os sistemas de reparo já existentes em cada célula dão conta de corrigir as falhas, promovendo um reparo eficiente para que um novo dia comece. “O sono é algo interessante, já que não entendemos completamente os mecanismos envolvidos, mas, mesmo assim, sabemos que é extremamente importante e indispensável. É fácil perceber as consequências a curto ou imediato prazo da falta. Basta ficar uma noite sem dormir e ver como é difícil funcionar”, explica a neurologista Catarina De Marchi Assunção, médica do serviço de Neurologia do Hospital da Universidade de Louisville, no Kentucky, Estados Unidos.

Segundo a especialista, estudar o sono pode ser complexo, potencialmente deletério e antiético (por saber que a privação causa danos), e muitas respostas derivam de pesquisas em mamíferos ou outros animais com alguma semelhança com os humanos. Os peixes-zebra são absolutamente transparentes, têm sono noturno e um cérebro simples semelhante ao nosso – e, por esses motivos, são usados para estudar fenômenos ligados ao ato de dormir.

Sono e a renovação dos neurônios

Os neurônios precisam que as informações genéticas estejam o mais intacta possível para cumprir as funções. Embora certas partes do corpo promovam uma renovação celular em poucos dias, como a pele, em outras partes esse processo é mais lento, como no sistema nervoso central – onde está o cérebro. Por isso, segundo Assunção, a manutenção do DNA (código genético) da célula principal do cérebro (neurônio) é tão importante.

“Ao longo do dia vamos acumulando pequenos danos, principalmente nas pontas do [cromossomo, onde está localizado o] DNA, que são chamadas telômeros. Sabemos que algumas enzimas (porções de proteína da célula) são encarregadas em ‘perceber’ os danos e sinalizar para a sua correção. Assim, outras enzimas entram em funcionamento para tentar reorganizar o código genético com as informações mais próximas o possível do original”, destaca a especialista.

Para se ter uma ideia da importância do sono na manutenção da saúde dos genes, todo esse processo explicado pela especialista controla, por exemplo, potenciais problemas como o câncer. Alguns tratamentos oncológicos mais recentes envolvem, inclusive, reativar as enzimas danificadas.

No estudo, os pesquisadores introduziram danos ao DNA dos animais para examinar como isso afetaria o sono. O que se descobriu foi que, à medida que o dano ao DNA aumentava, a necessidade de dormir também crescia. O experimento sugeriu que, em determinado momento, o acúmulo de falhas atingiu um limite máximo e aumentou a pressão do sono (chamada também de homeostática) a tal ponto que o desejo de dormir foi acionado, e os peixes foram dormir. “Sabemos que os marcadores de cansaço no ser humano são relacionados a depósitos de produtos finais de reações celulares”, comenta Catarina. O sono que se seguiu facilitou o reparo do DNA, o que resultou na redução das falhas.

Não são esses danos de forma direta, contudo, que nos deixam ávidos por uma cama ao final do dia. Isso acontece em razão da pressão homeostática do sono, que aumenta no corpo, levando à sensação de cansaço. Essa pressão aumenta quanto mais ficamos acordados e atinge um nível mínimo após uma plena e boa noite de descanso.

Falta de sono promove doenças?

Para a neurologista, apesar das boas evidências do estudo, ainda estamos em um momento mais rudimentar para entender os marcadores dos efeitos da privação do sono no desenvolvimento de outras condições. “No dia a dia, sabemos dos efeitos práticos, como o aumento do risco para doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, além da piora de doenças psiquiátricas como depressão e ansiedade. Porém, para medir marcadores de degeneração ou lesão celular no cérebro, precisamos coletar o líquor (líquido que banha o cérebro e a medula espinhal para ajudar em várias funções de proteção química e física dessas estruturas). Esse é o líquido coletado na suspeita de meningite, por exemplo, através de punção lombar nos espaços baixos da coluna. Portanto, não existe ainda uma maneira pouco invasiva de medir esses marcadores no dia a dia. Quem sabe, no futuro”, explica Assunção.

Horas de sono

Para garantir o bom funcionamento de toda essa maquinaria de reparo, afinal, quantas horas de sono diárias são necessárias? Essa pergunta foi respondida baseada em estudos mais antigos, que buscaram olhar resultados de saúde a longo prazo para humanos de diferentes idades. Porém, tais estudos não analisaram efeitos diretos no DNA, o que sugere a necessidade de revisões futuras.

“Hoje sabemos que a quantidade de sono necessária varia conforme a idade. Por exemplo, recém-nascidos dormem a maior parte do dia (e de maneira quase aleatória, pois os sinalizadores de sono do bebê ainda não funcionam como nos adultos), sendo necessárias de 14 a 17 horas de sono nesse período, por dia. Essa necessidade nos adultos jovens e até mais idosos fica entre 7 a 9 horas por dia, sendo que tanto a falta, como o excesso, podem ser deletérios a longo prazo”, destaca a neurologista.

Clinicamente, segundo a médica, o sono — particularmente a porção REM (quando sonhamos e apenas os olhos se movimentam) — está muito relacionado a funções de manutenção de saúde no dia a dia. De forma mais imediata, ajuda na consolidação de memórias de procedimento, como aprender a andar de bicicleta (que envolve vários movimentos coordenados) e na solução de problemas. “A falta de sono crônica tem relação com, além das doenças degenerativas já mencionadas, afecções de fora do cérebro, como risco para infarto e obesidade. A privação também está relacionada à redução de imunidade para lutar contra infecções, aumento do risco de diabetes, aumento do risco de inflamações que geram problemas no coração e hipertensão. Portanto, pesquisas como essa feita nos peixinhos, provavelmente traz uma explicação genética, nos detalhes, daquilo que já percebemos na prática clínica”, finaliza.

(Fonte: Agência Einstein)

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