A expressão latina annus horribilis (ano horrível) poderá ser aplicada, sem exagero, ao ano de 2015. Por qualquer métrica, foi um período tenebroso para a economia. O Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 3,8%, o pior desempenho desde 1990. O impacto sobre o crédito foi devastador. Pela primeira vez desde 2007, a concessão mensal de novos empréstimos encolheu. No ano passado, os bancos concederam R$ 304 bilhões em empréstimos por mês, queda de 3,2% ante os R$ 314 bilhões da média mensal de 2014. Mais do que reduzir a liberação de recursos, a desaceleração da economia acertou em cheio a capacidade de pagamento dos clientes dos bancos que haviam contraído empréstimos. Assim, a inadimplência aumentou muito.

Pelos dados consolidados do Banco Central (BC), no fim de 2014 o percentual de créditos com pagamentos em atraso entre 15 e 90 dias era de 3,76% do total. Doze meses depois, essa cifra havia crescido para 4,57%, rondando 5% no fim do primeiro trimestre de 2016. Mesmo assim, para o Itaú Unibanco, 2015 será um annus mirabilis (ano maravilhoso). Apesar da retração da economia, do aumento da inadimplência e do crescimento do desemprego, que reduz a demanda por crédito, o maior banco privado nacional conseguiu fazer mais negócios e ganhar mais dinheiro e, ao mesmo tempo, aumentou sua solidez.

“Adotamos uma estratégia cautelosa”, diz Roberto Setubal, presidente executivo do Itaú Unibanco, que foi premiado como a Empresa do Ano na edição do Anuário AS MELHORES DA DINHEIRO 2016 (leia entrevista ao final da reportagem). O desempenho financeiro excepcional, aliado às boas notas em Governança Corporativa e em Responsabilidade Social, garantiu o prêmio máximo ao banco. Em 2015, o Itaú Unibanco lucrou R$ 23,4 bilhões pelo padrão contábil brasileiro. Esse resultado representa, apesar do ano difícil, um crescimento de 15,8% ante os R$ 20,2 bilhões em 2014.

O faturamento consolidado cresceu 30,9%, de R$ 125,1 bilhões em 2014 para R$ 163,6 bilhões em 2015. Com isso, o banco preservou sua rentabilidade patrimonial, que permaneceu inalterada em 23,5% em 2014 e em 2015. Mais do que isso, o índice consolidado de Basileia, que mede a relação entre o total de ativos e o patrimônio líquido – ou seja, o quanto do dinheiro dos próprios banqueiros está aplicado no negócio –, e que é a medida definitiva da solidez de um banco, melhorou no ano passado, de 16,9% em 2014 para 17,8% em 2015. Pelas normas, os bancos brasileiros têm de apresentar uma relação de, no mínimo, 12%.

Como explicar esse desempenho pujante? A busca pela eficiência é uma regra que nunca perdeu sua validade. A ordem é sempre buscar eficiência de processos e usar os recursos ao máximo. Como tudo ali, esses frutos são resultado de um processo meticulosamente planejado e executado de maneira milimétrica. Após uma piora dos indicadores em 2009 devido às exigências da integração entre o Itaú e o Unibanco, a ordem foi melhorar o desempenho. E nisso entrou o uso crescente de tecnologia. Dois números resumem o tamanho da mudança.

No fim de 2008, poucas semanas após o anúncio da fusão, três em cada quatro transações eram realizadas nos canais tradicionais: diretamente nas agências, em caixas automáticos ou por telefone. Apenas 26% passavam pelo computador ou pelo celular. No fim de 2015, essa relação havia se invertido. Duas em cada três transações são realizadas por internet e celular. O crescimento mais acelerado ocorreu no celular, que respondia por 3% das transações em 2012, e, no fim de 2015, representava 17%. No fim do segundo trimestre de 2016, esse percentual havia crescido para 23%.

“O Itaú Unibanco é um dos bancos mais avançados no Brasil em termos de implantação da tecnologia que permite ao cliente realizar suas transações usando um celular”, diz Sebastian Maus, sócio da consultoria Roland Berger no Brasil. Isso faz toda a diferença na hora de calcular os lucros. “Em alguns casos, os bancos podem reduzir os custos em até 90% se digitalizarem processos.” Isso está no topo da agenda de Setubal. Ao longo de 2016, o banco vem colocando no ar aplicativos que permitem realizar mais e mais funções pelo celular. “Até o fim de 2017, o cliente poderá realizar todas as operações do banco por meio do celular”, diz ele.

“Investimos R$ 3 bilhões em uma nova central de processamento de dados, especificamente para podermos alavancar nosso desenvolvimento tecnológico.” Isso quer dizer uma redução da rede. “Não abrimos mais agências, só em casos pontuais, e tivemos até um encolhimento da rede física”, diz Setubal. Segundo ele, isso decorre não só da necessidade de buscar eficiência e cortar custos, mas também das demandas dos clientes, que pedem recursos digitais. Os investidores estão animados com isso. Como reflexo do mau desempenho da economia, as ações desabaram em 2015. No ano, o Índice Bovespa caiu 13,3%, ao passo que as ações do Itaú Unibanco não tiveram um desempenho muito melhor: recuaram 12% no período.

Já em 2016, até o dia 13 de setembro, a recuperação do otimismo fez o Índice Bovespa subir 31%, mas as ações do banco avançaram 39%. “O Itaú Unibanco é nossa principal recomendação no setor bancário no Brasil”, avalia Tito Labarta, analista de bancos do Deutsche Bank em Nova York. “É o banco melhor preparado para enfrentar a desaceleração da economia e lucrar com a retomada.” Setubal, porém, é o primeiro a ser cauteloso. No início de 2016, ao anunciar os resultados de 2015, ele advertiu que seria difícil repetir o desempenho. “O resultado provavelmente não será tão bom”, disse ele às MELHORES DA DINHEIRO. Ruim, com certeza, não será.

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Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, fala sobre as perspectivas para a economia. Confira a entrevista.

No começo do ano o banco surpreendeu o mercado ao divulgar prognósticos conservadores. O sr. estava pessimista? E 2016 está sendo melhor ou pior do que a sua expectativa?
Eu diria que estávamos um pouco mais realistas. Depois de divulgarmos nossas projeções, a maior parte dos bancos revisou para pior os seus cenários ao longo do ano. Agora, eu acredito que o segundo semestre será melhor em função dessa mudança toda que houve.

Como o sr. vê a economia em 2016 e 2017 após a confirmação do presidente Michel Temer no cargo?
Todos os indicadores de confiança melhoraram muito. Começam a haver alguns sinais de volta da demanda de crédito, e alguns indicadores antecedentes mostram que pode até haver um pequeno crescimento da economia no segundo semestre de 2016. Para 2017, teremos um crescimento próximo de 1,5%, o que é uma mudança de cenário bastante significativa depois de quase dois anos de queda de PIB.

A economia mudou pouco, mas as expectativas melhoraram. O quanto isso influenciou e ainda pode influenciar? 
O que mudou de fato na economia foi a melhora das expectativas e o aumento do nível de confiança. A melhoria vem, basicamente, do nível de confiança.

O presidente Michel Temer ter montado uma equipe experiente e não ter pretensões eleitorais em 2018 facilita?
Sim. A eleição presidencial está relativamente próxima, em 2018, e a aprovação de medidas no Congresso vai estar muito ligada à avaliação de quem poderia se beneficiar politicamente da aprovação das propostas do governo. E o fato de o presidente ter se colocado fora da disputa torna mais legítimas e isentas as propostas que ele vai apresentar ao Congresso. E se ele eventualmente vier a ser o beneficiário das medidas apresentadas, o fato de não ser candidato torna mais fácil a aprovação. Porque é mais fácil de aprovar algo para o bem do Brasil do que algo para o bem de um candidato.

O que é essencial aprovar?
O mais importante para se manter uma expectativa positiva é que se consolide a questão fiscal, que seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos. Se ela não for aprovada haverá uma reversão de expectativas importante. A PEC é fundamental para a retomada do crescimento. Em ela sendo aprovada, tudo continuará caminhando bem na nossa economia, e até acredito em um crescimento mais expressivo para 2018, acima do 1,5% que é a previsão mais comum.

O que fica faltando além do controle de gastos? 
A aprovação da questão fiscal resolve o problema ao longo do tempo. Acho que em um prazo mais curto há uma agenda enorme de coisas que podem ser melhoradas no Brasil. A reforma trabalhista, a reforma política e as privatizações, só para citar alguns casos.

Há ainda espaço para avançar nisso?
Muito. A reforma trabalhista, por exemplo. É quase um consenso no Congresso de que o que é negociado deve valer mais que o que é decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho. A possibilidade de cada setor negociar suas necessidades é uma evolução muito relevante. E ajudará a criar empregos e a elevar a produtividade.

No caso da privatização, onde dá para avançar?
Na concessão de estradas, rodovias, na energia. A Petrobras está estudando muitas coisas para privatizar. E há interesse. Há muito a avançar, tanto na esfera federal, quanto nos Estados e municípios. Vamos reconhecer que o governo não é um grande empresário. A gente olha as empresas públicas e em muitos casos não há o que as justifique. Qual é a razão de uma empresa de energia elétrica ser estatal? Acho que uma empresa privada pode cumprir esse papel com maior eficiência. E os programas de privatização podem exigir cobertura de áreas carentes e outras contrapartidas.

O investidor estrangeiro está animado com o País. Por quê? 
Estamos retornando para um cenário mais normal para a economia. A piora muito acentuada do início do ano deixou o ambiente tenso, o dólar foi a R$ 4,20, e à medida que isso foi solucionado, houve a reversão. Acho que o investidor estrangeiro estava afastado, com a deterioração toda que houve, e agora ele está olhando oportunidades. A melhora do Brasil é uma coisa bastante consensual, e isso atrai investidores de uma forma geral, tanto estrangeiros quanto brasileiros. O investidor olha para um Brasil econômica e fiscalmente estável, e fica mais disposto a vir para cá. A disposição de buscar oportunidades existe e sempre existirá.

Quando a gente pensa em investimento, no caso do setor industrial, tem sido mais difícil…
Se houver uma melhoria do ambiente econômico, as empresas vão se animando a fazer investimentos e a ampliar a capacidade produtiva. Há muitas oportunidades de investimento em infraestrutura, especialmente na medida em que o governo amplia a participação do setor privado.

O que vai puxar o crescimento, crédito ou investimento?
Houve uma redução muito expressiva de consumo. Acho que parte vai retornar, mas a redução da taxa de emprego afeta a demanda agregada, então vejo com mais dificuldade a expansão da economia baseada em consumo. Como o nível de endividamento do consumidor está elevado, não temos mais as mesmas oportunidades de dez anos atrás. O crédito só vai crescer na medida em que crescer a massa salarial.