Chekhov não terminou de escrever a peça Platonov. Os manuscritos repletos de anotações malucas serviram de deleite para o diretor Marcio Abreu. “A primeira leitura com elenco levou cinco horas.”

Ao receber o título de Por Que Não Vivemos?, a nova peça da companhia brasileira não deixa de surpreender pela ousadia de um grupo que passa por autores celebrados e obras inéditas, sem perder apuro estético que satisfaz uma plateia mais interessada no choque entre clássico e contemporâneo.

Até chegar à peça do russo, a companhia brasileira vinha de peças mais radicais e inéditas como Bem-vindos à Espécie Humana (2019), Preto (2017) e de autores contemporâneos como Krum (2015), e Esta Criança (2012). Para Marcio, observar o texto de Platonov, publicado em 1923, mobiliza uma força bélica na cena. “O autor nos apresenta um arsenal de linguagens e de investigação das relações sociais.”

É claro que não se pode comparar Platonov com o domínio do Chekhov que escreveu O Jardim das Cerejeiras, sua última peça. Platonov foi concebido como um drama, quando o dramaturgo tinhas 20 e poucos anos. A peça teve vários títulos, entre eles “os sem-pai”. Foi enviada para uma famosa atriz de Moscou que devolveu o texto sem qualquer comentário. “É possível perceber um entusiasmo juvenil de um artista que queria escrever sobre tudo, experimentar linguagens e se comunicar”, aponta Abreu.

Vencido pela indiferença, Chekhov desistiu de encenar o texto, mas prosseguiu com semelhante clareza ao retratar a sociedade russa, aqui diante de uma situação de aniquilamento. “Ele já trazia um caráter moderno ao texto por não se apoiar nos ideais de ação e conflito. Nessa peça ele coloca as pessoas em primeiro plano, e a convivência tediosa e o desejo de uma revolução pessoal.”

Para a atriz Camila Pitanga que interpreta Anna Petrovna, as personagens têm suas crises despertadas pelo professor Platonov, mas não sabem como seguir, ou sequer voltar atrás. “São questões muito profundas, mas que podem atingir qualquer tipo de pessoa. A insatisfação chegou. O que fazer?”, conta.

Em cena, Abreu retrata o encontro dessa sociedade que vai do brilho das festas, ao som de Diamonds, de Rihanna, à ressaca moral e física de uma transformação sem volta. “É uma peça para estar à disposição do médico Chekhov, porque inspiramos cuidados”, diz o diretor.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.