Jair Bolsonaro cumpriu sua promessa aos evangélicos e indicou ao STF o atual advogado-geral da União André Mendonça, que é também pastor presbiteriano.

Na segunda-feira à tarde, ele disse que fez um único pedido ao escolhido: a promessa de que, “ao menos uma vez por semana”, ele abrirá as sessões do STF com uma oração. Disse não acreditar que os demais ministros se negariam a segui-lo. Também deu a entender que a prece não feriria o princípio de que o Estado, no Brasil, é laico.

A ignorância de Bolsonaro é tão grande quanto o silêncio dos espaços infinitos – mas, ao contrário do filósofo Pascal, que cunhou a imagem, ele não se apavora ao contemplar a imensidão. Vai soltando suas asneiras à vontade.

Se for aprovado pelo Senado, o que não é garantido, Mendonça só poderá abrir sessões do Supremo daqui a uns dez ou doze anos, quando for presidente da corte.

Mais importante, é óbvio que uma prece cristã no início dos trabalhos do Supremo fere o princípio da laicidade. Esse princípio existe para garantir, justamente, que as instituições de Estado não ganharão as cores da crença da maioria. Para que judeus, muçulmanos, umbandistas, ateus, hinduístas, budistas e adeptos de outras religiões possam sentir que estão pisando em terreno neutro quando têm de se haver com o poder público.

O crucifixo pendurado no plenário do STF – e nas paredes de tantas outras repartições públicas brasileiras – já é uma concessão à predominância do sentimento cristão no Brasil. Concessão desnecessária, a meu ver. Instituir o ritual da prece certamente seria ir longe demais na direção de uma sociedade de pensamento único, em vez de plural.

Se os ministros do Supremo ainda tiverem a cabeça no lugar e respeitarem a Constituição – esse livro que Bolsonaro dá provas repetidas de não entender e não respeitar, embora diga o contrário – não existe a menor chance de a proposta da oração prosperar. Creio ser esse o caso.

Quanto ao fato de Mendonça ser evangélico, esse não deveria ser um critério para sua escolha, nem tampouco para sua rejeição. Há adeptos de mais de um credo no STF. Nunca dependeu disso a aprovação na sabatina do Senado, que deveria seguir apenas os requisitos exigidos pela constituição: notório saber jurídico e reputação ilibada.

Quanto ao primeiro critério, Mendonça tem mais envergadura jurídica do que Nunes Marques. Seus títulos de pós-graduação são para valer, seu currículo não tem aquelas esquisitices do currículo do primeiro ministro nomeado por Bolsonaro.

Mendonça é tido como autoridade na área dos crimes de colarinho branco. Criou métodos inovadores, traduzidos em normativas na AGU, para a recuperação de ativos no exterior. E quem vai dizer que o Brasil não precisa desse tipo de conhecimento?

Resta o problema da reputação ilibada.

O que pesa contra Mendonça é a maneira como ele construiu teses para tentar limpar a barra dos apoiadores, e amordaçar os críticos do presidente, nos cargos que ocupou no governo Bolsonaro.

Um exemplo do primeiro caso foi a ocasião em que ele justificou a disparada de fogos de artifício contra o prédio do STF por bolsonaristas. “Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana”, disse ele em uma nota. Na verdade, mais que justificar a agressão, sua nota parecia exigir penitência de todos aqueles que o bolsonarismo tomava como adversários.

Exemplos do segundo caso são as diversas ocasiões em que Mendonça tentou enquadrar na Lei de Segurança Nacional aqueles que ousaram criticar o governo, mandando inclusive a PF abrir investigações contra eles.

Ah, mas o Supremo também abriu inquérito contra apoiadores do presidente, quando eles fizeram críticas ao Congresso e ao próprio tribunal. Alto lá! Não sou fã do inquérito do Supremo, como já escrevi aqui, mas é preciso reconhecer que ele nada tem a ver com opiniões: é voltado à investigação de possíveis ações contra a ordem democrática –  ações coordenadas e com financiamento encoberto.

Mendonça fez o contrário. Ele agiu para empoderar os inimigos da democracia e para reinventar o crime de opinião no Brasil.

Para mim, quem agiu dessa maneira não tem reputação ilibada. E não deveria ocupar o cargo de “guardião da Constituição”, uma vez que procurou subverter alguns dos seus principais valores.

Amém.