O trabalho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente do governo federal é aprovado por 24% dos brasileiros, segundo o Datafolha, pior patamar de avaliação do petista no cargo, que ocupou entre 2003 e 2010 e ocupa, novamente, desde janeiro de 2023.
A dificuldade para reverter o saldo é movida tanto por problemas de gestão, como os anúncios equivocados e a dificuldade para desatar o nó da reforma ministerial, quanto por mudanças no cenário econômico internacional e na relação com o Congresso em comparação a seus mandatos anteriores.
Mas, a menos de dois anos para uma nova eleição presidencial, o enigma para o Palácio do Planalto é que, em linhas gerais, a economia caminha bem. A IstoÉ relembrou o cenário da primeira gestão de Lula, ressaltou mudanças e ouviu dois economistas para analisar esse contexto paradoxal.
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O que funcionava
Alçado por uma forte expansão da economia, da renda média e da geração de emprego, Lula superou a desconfiança da chegada ao Executivo para conquistar uma robusta popularidade entre 2003 e 2004, afiançada ainda por boas relações com o Legislativo e o mercado financeiro.
Em 2005, conforme reportagens publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo, o governo atravessava o terceiro ano com índices de aprovação na casa dos 59%. Em dezembro daquele ano, o petista viu pela primeira vez a rejeição a seu trabalho superar a popularidade em reação ao escândalo do Mensalão, esquema de desvio de dinheiro público que manchou a imagem de aliados — como José Dirceu, que pediu demissão da Casa Civil em junho — e sustentou a percepção de corrupção no governo.
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José Dirceu (PT): homem forte do primeiro governo Lula, deixou a gestão sob denúncias em 2005
Havia uma razão clara para a crise política. Em outros aspectos, o cenário seguia animador. De acordo com o Banco Central, as condições de crédito e o bom desempenho do comércio exterior fortaleceram o mercado interno. A política fiscal, conduzida de forma austera, favoreceu a sustentabilidade da dívida pública e o superávit primário do setor público atingiu R$ 93,5 bilhões, dando sustentação a uma recuperação expressiva dos números ainda no início de 2006, ano em que Lula se reelegeu.
O que não funciona
O chamado Lula 3 tem um saldo de indicadores econômicos que, em condições normais, justificariam otimismo. A menor taxa de desemprego da série histórica mapeada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e a alta do PIB (Produto Interno Bruto) do país são os mais notáveis. Por outro lado, a inflação fechou 2024 acima da meta (a 4,83%), em número impulsionado pelo encarecimento dos alimentos.
“Apesar dos índices de PIB e desemprego, o alto nível de inflação eleva os preços e corrói a avaliação da economia pelas pessoas. É a chamada ‘percepção da gôndola’, em que o custo de itens básicos no supermercado gera uma percepção negativa, independentemente do que outros dados demonstram”, disse à IstoÉ Yuri Sanches, diretor de análise política da AtlasIntel.
A firmeza dos anúncios e o alinhamento entre ministros, marcas das primeiras gestões petistas, se converteu em anúncios desencontrados, dos quais o chefe do Executivo reclamou em reunião ministerial. O próprio Lula cometeu gafes — em meio à inflação dos alimentos, sugeriu que a população “não compre” produtos que estão caros.
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Fernando Haddad: ministro da Fazenda protagonizou, com isenção do IR e mudanças na fiscalização do Pix, dois dos anúncios problemáticos do governo
O presidente trocou Paulo Pimenta por Sidônio Palmeira no comando da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), centralizando no marqueteiro a publicização das ações da gestão, mas não fez outras trocas na Esplanada e vê a relação com o Congresso azedar.
Ao contrário do que ocorreu entre 2003 e 2010, Lula está diante de uma oposição mais radical — representada pela bancada de 99 deputados do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, a maior da Câmara –, tem uma base fragilizada e o controle orçamentário nas mãos do Parlamento. Embora o desejo de uma relação mais equilibrada exista, o nó da prometida reforma ministerial não foi desatado, o que mantém aguçada a cobrança dos partidos do “Centrão” por mais espaço na gestão.
Dois diagnósticos
Para entender o que distancia o governo federal de reproduzir os resultados das gestões anteriores deste mesmo presidente, a IstoÉ buscou as análises de Marcelo Neri, professor de economia da FGV-RJ (Fundação Getulio Vargas) e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e Rafael Ribeiro, coordenador do programa de pós-graduação do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Marcelo Neri
“Houve uma forte expansão econômica no primeiro mandato de Lula, em especial a partir de 2004. O novo governo petista é marcado por um primeiro ano de recuperação e, em seguida, quedas robustas da insegurança alimentar, do desemprego e a expansão da renda. Ao mesmo tempo em que esses indicadores são positivos, a inflação está acima do teto da meta. É um paradoxo similar ao que Joe Biden enfrentou nos Estados Unidos: a economia anda bem, há expansão de renda e redução do desemprego, mas a percepção é crítica em relação ao poder de compra e à sustentabilidade da economia”.
“A sensibilidade popular à inflação não é atenuada pela renda real. As pessoas têm um aumento na renda, mas vão ao supermercado e se deparam com um encarecimento dos alimentos. Isso gera uma frustração, que pesa ainda mais para a avaliação de governo do que a mera falta de crescimento”.
“Três variáveis macroeconômicas podem impactar o bem-estar das pessoas e a questão política: o crescimento da economia, que tem sido baixo nos últimos 50 anos; a desigualdade, que estava em queda na primeira gestão de Lula; e a incerteza. Com incerteza, todos perdem, dos mais pobres ao topo da pirâmide. Um dos elementos desse fator é a inflação alta, mesmo com pleno emprego, que move o Banco Central a elevar a taxa de juros em reação. Por fim, você não sabe exatamente os valores que vai encontrar no supermercado”.
“O governo não tem mais munição fiscal e há uma elevação na taxa de juros. Se a economia desacelerar, como é esperado, haverá uma razão ainda mais forte para queda na aprovação”.
Rafael Ribeiro
“Na principal crise política enfrentada por Lula no primeiro mandato, havia uma combinação forte de austeridade fiscal — gerada pelo choque inicial do governo, em movimento para ganhar a confiança do mercado financeiro — e condições favoráveis para expandir os gastos com políticas públicas, redes de proteção social e infraestrutura, que movimentam outras cadeias de produção. O cenário internacional era favorável, com o boom das commodities, para o Brasil atrair capital estrangeiro”.
“O contexto em 2025 é muito distinto. A gestão não tem espaço fiscal para promover o impulso daquela época — seja expandido a rede de proteção social ou aumentando o salário mínimo de forma mais robusta –, nem capacidade para fazer grandes investimentos em infraestrutura. No exterior, também há estagnação, a China não cresce como naquela época e não há atração de dólar capaz de segurar as taxas de câmbio e inflação. Politicamente, há um Congresso mais hostil e com maior controle orçamentário”.
“No Lula 3, a inflação não está descontrolada, mas do ponto de vista do consumidor, o que se avalia é que não houve um retorno do nível de preços ao de seus mandatos anteriores, nem ao patamar pré-pandemia. Essa soma gera a percepção de perda de poder de consumo, em especial nas famílias de renda mais baixa”.
“A redução da taxa de desemprego e o aumento médio do salário são indicadores perceptíveis por uma parcela da população que é diretamente afetada por eles, ou seja, quem conseguiu emprego ou obteve aumento de renda. A inflação, por outro lado, repercute de forma generalizada — todos são afetados pelo aumento de preços, especialmente de alimentos”.