Mais uma vez, cidadãos do mundo todo se solidarizaram com as vítimas de um atentado terrorista. Mais uma vez, o alvo foi a França. Na noite da quinta-feira 14, milhares de pessoas ocupavam uma avenida à beira-mar em Nice, no Sul do país, para assistir aos fogos de artifício em homenagem à Queda da Bastilha, símbolo da Revolução Francesa. A celebração foi brutalmente interrompida por um caminhão conduzido por um terrorista armado. O franco-tunisiano Mohamed Lahouaiej Bouhlel, 31 anos, avançou em zigue-zague sobre a multidão por dois quilômetros e só parou quando foi baleado por policiais. Até o fechamento desta edição, ele havia matado 84 pessoas, entre elas, muitas crianças, e deixado outros 50 feridos em estado grave. Na sexta-feira 15, sua ex-mulher foi detida pela polícia. As suspeitas recaíam também sobre o Estado Islâmico (EI), grupo terrorista que controla territórios na Síria e no Iraque, ainda que não houvesse assumido a autoria. A três semanas da abertura da Olimpíada no Rio de Janeiro, o ataque aumentou a preocupação das autoridades no Brasil. Na sexta-feira 15, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse que novas medidas de precaução seriam tomadas.

ARMAS No caminhão usado no ataque, a polícia encontrou fuzis e granadas
ARMAS No caminhão usado no ataque, a polícia encontrou fuzis e granadas

Horas antes do massacre em Nice, o presidente da França, François Hollande, havia anunciado o dia 26 de julho como data para o encerramento do estado de alerta máximo de segurança do país, em vigor desde 13 de novembro, quando uma série de ataques matou 130 pessoas em Paris. Com poderes excepcionais para limitar o movimento de pessoas, evitar aglomerações e estabelecer zonas de segurança, as autoridades da França pareciam estar agindo de modo eficiente para manter paz. Durante a Eurocopa, encerrada no domingo 10, não houve nenhum incidente de maior gravidade. A sensação de segurança ruiu com o ataque em Nice. Falhas nos serviços de contraterrorismo na França estão sob escrutínio desde o ataque à redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em janeiro do ano passado. Desde então, o número de cidadãos monitorados por suspeita de terrorismo só cresceu. Hoje há mais de 10 mil nomes nessa lista – o do autor de Nice, no entanto, não era um deles.

No momento em que o EI tem perdido território com os bombardeios da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos e da Rússia e com o avanço dos exércitos sírio e curdo, o risco de atentados em países engajados nessa luta é cada vez maior. Embora se orgulhe de defender o lema “liberdade, igualdade, fraternidade”, a França mantém uma postura belicosa na política externa desde que o conservador Nicolas Sarkozy assumiu a presidência do país, em 2007. “Com Sarkozy, a França se aproximou da política de intervenção dos EUA e entrou na linha de fogo do inimigo”, afirma Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Em discurso após a chacina da semana passada, Hollande prometeu mostrar “força real e ação militar” no Iraque e na Síria. Hoje, 10 mil soldados franceses atuam em países da África e do Oriente Médio.

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Na análise do The Clarion Project, organização independente de Washington, nos EUA, que estuda o extremismo islâmico, os jihadistas culpam a França, em particular, pelo desmantelamento do Império Otomano e a extinção do Califado após a Primeira Guerra Mundial. “O Estado Islâmico é obcecado em se ver como o Califado Muçulmano revivido”, diz um estudo. “É, portanto, essencial para sua visão de mundo que antigas potências coloniais sejam derrotadas.”

Com uma população de quase 5 milhões de muçulmanos, a França abriga imigrantes e descendentes oriundos das antigas colônias que o país manteve no Norte da África. A integração deles à sociedade, contudo, é bastante precária. “Esses jovens enfrentam o problema de estar entre dois mundos e não pertencer a nenhum deles”, diz o Embaixador Roberto Abdenur, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “Eles não se sentem aceitos na sociedade francesa, são preteridos quando se candidatam a empregos, poucos chegam a níveis universitários, vivem em periferias e em bairros de moradia populares onde o desemprego é muito alto.” Nesse contexto, muitos acabam se radicalizando e se inspirando em ações do EI. Foi o que aconteceu com os autores dos atentados ao Charlie Hebdo e de 13 de novembro, e é o que parece ter acontecido com Mohamed Bouhlel, morador de um bairro operário de Nice descrito como uma “figura solitária”.

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