O Brasil deixou de ser o país da esperança e se tornou o país da decepção. Apesar de contar com a vantagem de ser alvo do novo coronavírus tardiamente em relação a outros países da Ásia e da Europa, o enfrentamento da pandemia foi e continua sendo inadequado. Graças a uma sucessão de erros, somos hoje a segunda nação com o maior número de contágios no mundo e a quarta com o maior número de mortes. Até a quarta-feira, 3, chegamos a 587 mil infectados, atrás apenas dos EUA, e 32.602 mortos, quase ultrapassando a Itália, que soma 33.601 vítimas. A cada período, recordes fúnebres são batidos pelo próprio País: na semana passada, foram 1.262 mortes em 24 horas. Estudos mostram que estamos longe do pico do número de infectados, ou seja, a curva continuará a subir.

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Da frase que o presidente da República, Jair Bolsonaro, adora proclamar, “o Brasil é um país maravilhoso que tem tudo para dar certo”, falta a parte final: o Brasil tinha mesmo tudo para dar certo, mas graças à uma série de erros de gestão, não deu. São vários os motivos que tornaram o país um dos principais epicentros mundiais do novo coronavírus. Uma delas, certamente, é a guerra política entre presidente, prefeitos e governadores, o que se traduziu em um mar de notícias falsas espalhadas pelas redes sociais e grupos de WhatsApp. “As pessoas ficaram inseguras e em pânico com informações equivocadas. Usa máscara ou não usa? Devemos tomar vitamina D, cloroquina? Foram encaminhadas muitas inverdades, sobretudo sobre o risco da transmissão da doença”, diz o infectologista Sergio Cimerman, diretor científico da Sociedade Brasileira de Infectologia.

CONTRAMÃO Enquanto a Itália controlava a entrada nos aeroportos, o Brasil os recebia livremente para o carnaval; em Lisboa a população ficou em casa, mas em São Paulo as ruas lotaram; na França há proteção em supermercados, em Belo Horizonte, não (Crédito:Divulgação)

Falta de controle

Não há melhor arma que a ciência para enfrentar uma crise sanitária, mas justamente essa ideia básica parece rejeitada pelo governo, vide ataques a universidades, cortes a financiamentos de pesquisas e a demissão de dois ministros da Saúde com conhecimento técnico para lidar com o problema. Em meio à desinformação, o isolamento social, única arma comprovadamente eficaz contra o vírus, foi por água abaixo. Mesmo sem chegar a ser adequadamente implantado, já está sendo flexibilizado. Dados da startup InLoco apontam que, nesse início de junho, o índice de isolamento está abaixo de 50%. No final de maio, em meio ao crescimento da curva de contaminação, foi registrado o maior número de pessoas nas ruas desde o início da pandemia. Os discursos de Bolsonaro, que promovem aglomerações, são um entrave para a efetividade da medida, mas governadores e prefeitos também deixam a desejar. Na cidade de São Paulo, o rodízio de carros “pares e ímpares” instituído pelo prefeito Bruno Covas foi inadequado: tirou carros da rua, mas lotou o transporte público. Na semana passada, o prefeito Marcelo Crivella, do Rio de Janeiro, liberou as ruas para os camelôs sem nenhum estudo que justificasse a medida. Nos aeroportos do País a situação não é melhor. Fontes relataram que viagens realizadas recentemente não tiveram qualquer tratamento especial. Além de voos com lotação máxima, muitas companhias aéreas e aeroportos não estão aplicando qualquer medida de segurança, como medição de temperatura ou entrevistas com os passageiros. No carnaval, quando já se sabia que o vírus estava se propagando pelo mundo, as cidades registraram recordes no número de foliões: Olinda e Recife, em Pernambuco, e Salvador, na Bahia, entre outras, receberam milhões de turistas. A situação não é mais animadora quando falamos de equipamentos de proteção individual para as equipes de saúde e, principalmente, de testes: a demora para disponibilizar o diagnóstico na rede pública, bem como a falta de máscaras, agravou a disseminação da doença. O Brasil, país que tinha tudo para dar certo, seguiu na direção contrária. Os índices negativos apenas comprovam que nos tornamos uma nação incapaz de se preparar corretamente para essa pandemia.

Prefeitura de São Paulo esclarece:

Em relação à reportagem Por que fizemos tudo errado? (Istoé, 10/06) a título de colaboração esclarecemos que não houve superlotação dos ônibus na cidade durante o megarodízio em São Paulo. A média de passageiros naquele período aumentou 4,72%, 52.431 pessoas a mais comparando-se com a semana anterior, enquanto a frota foi ampliada em 23,6% ou 1,6 mil veículos a mais. Esses números mostram que não houve lotação no sistema ônibus. Ao mesmo tempo, a redução de carros, considerando-se a maior circulação da semana que antecedeu o rodízio ampliado, foi de 1,5 milhão de veículos. No mínimo, o mesmo número de pessoas a menos saindo de suas casas. A Prefeitura informa, ainda, que adotou todas as medidas indicadas pelas autoridades de saúde pública e dessa forma assegurou atendimento aos paulistanos e evitou a perda de pelo menos 30 mil vidas na cidade.

Marcus Sinval

Secretário Municipal de Comunicação