A CPI da Covid passa por um momento delicado. Qualquer passo em falso pode esvaziar os depoimentos, enfraquecer as investigações e fortalecer Jair Bolsonaro e seus aliados. Foi o que aconteceu na quarta-feira, 12, na oitiva do ex-chefe da Secom, Fábio Wajngarten. A Comissão correu o risco de ficar desmoralizada. Ele criou um enredo fantasioso e contou histórias desconexas. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB), pediu a prisão dele e teve apoio de outros senadores. É o que diz a lei: um depoente não pode faltar com a verdade à CPI. Renan foi enfático e afirmou em bom português: o ex-secretário de Comunicação da Presidência mentiu.

AMARELOU Senador Omar Aziz disse que não era “carcereiro de ninguém” (Crédito:Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Não seria a primeira vez que uma CPI seguiria a lei, como deve ser. Em 1999, durante a CPI dos bancos, o ex-presidente do Banco Central, Chico Lopes, se recusou a depor. Recebeu ordem de prisão do presidente da Comissão, Belo Parga (MA). Era a atitude que se esperava do senador Omar Aziz (PSD), presidente da atual CPI. Mas Aziz titubeou e não acatou a proposta. Disse “não ser o carcereiro de ninguém”. Foi um grande erro. Com isso, Aziz abriu espaço para que outras lorotas sejam contadas. A CPI perde força.

A desmoralização da CPI teve um agente “infiltrado”. Liderando a tropa de choque do presidente, seu filho Flávio correu para a sessão, mesmo não sendo membro efetivo da CPI. Ele se transformou num verdadeiro jagunço para proteger o pai. Protagonizou cenas de falta de compostura explícita e reagiu ao pedido de prisão de Renan. “Imagina um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan”, afirmou. Foi uma estratégica para melar os trabalhos e causar tumulto. Com isso, o filho 01 conseguiu tirar o foco nos questionamentos feitos a Wajngarten. Satisfeito, Bolsonaro repetiu o mote um dia depois. Fez coro ao filho durante visita ao estado de Renan, Alagoas. Em discurso, o presidente chamou o senador de “picareta e vagabundo” e afirmou que “é um crime” o que acontece na CPI. Renan também reagiu ao mandatário. Disse que sua resposta seria “o número de mortes”. As cenas de cangaço favoreceram o presidente, que tentou desviar a atenção da CPI. Mesmo assim, a comissão enreda cada vez mais o governo na atuação criminosa na pandemia.

XINGAMENTO Os senadores Flávio e Renan trocam farpas: “vagabundo” e “moleque” (Crédito:Marcos Oliveira)

Nas respostas de Wajngarten, a responsabilização do governo pela morosidade na compra da vacina da Pfizer ficou escancarada. Ele disse que uma carta recebida pelo governo federal em 12 de setembro de 2020 ficou sem resposta até o dia 9 de novembro. Quase dois meses. Seja por incompetência ou omissão, o fato complica muito o governo. E, embora negue participação efetiva nas negociações, Wajngarten foi cabalmente desmentido pelo CEO da Pfizer, que declarou à CPI na quinta que o ex-secretário comporia uma “possível coordenação”.

Pouco eficiente ao criar suas versões, Wajngarten ficou exposto diante de fatos públicos e já documentados. Ele disse que havia ficado durante o mês de março de 2020 sem trabalhar para tratar da Covid. Mas a mentira de pernas curtas foi desmascarada por ele mesmo. O ex-secretário aparece num vídeo, junto ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em que afirma trabalhava normalmente, inclusive “aprovando campanhas” de publicidade. O resultado do trabalho à frente da comunicação também foi objeto de contradição. Ele disse que houve empenho em campanhas educativas de informação contra a Covid, mas o Tribunal de Contas da União apontou que apenas R$ 800 mil foram utilizados. A maior parte do recurso de R$ 83,6 milhões foi empenhado em propagandas sobre medidas econômicas. A lorota mais escandalosa do ex-secretário envolveu a gestão do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ele disse à CPI que o general foi “corajoso” e “teria ficado refém da burocracia”. Mas havia afirmado anteriormente que o acordo com a Pfizer para a compra de vacinas não aconteceu pela “incompetência” do ministério de Pazuello. A impostura continuou. Ainda sobre a vacina da Pfizer, o ex-secretário disse não ter a chancela do presidente para mobilizar a compra da vacina, mas já havia dito o contrário: “Mobilizei com aval do presidente”.

As falsidades em série ajudaram a incriminar a gestão Bolsonaro, apesar do escorregão da presidência da CPI. “Vossa Excelência [Wajngarten] é a primeira pessoa que incrimina o presidente”, afirmou Renan. A tese dominou as discussões na Comissão. Outra tese que começa a prevalecer indica a existência de um ministério paralelo dentro da estrutura do governo. Além dos episódios notórios de desrespeito às medidas de isolamento que o presidente pratica costumeiramente, à revelia das orientações dos técnicos do Ministério da Saúde, haveria um gabinete que coordena ações para que o maior número de pessoas se contaminassem e, assim, o País atingisse rapidamente a imunidade de rebanho, uma tese perigosa que se provou criminosa na atual pandemia. O vereador Carlos Bolsonaro (RJ) seria o encarregado de articular essa comunicação. Outros personagens agiriam sob o comando de Bolsonaro.

Apesar de não ter dado voz de prisão a Wajngarten, o presidente da CPI, senador Omar Aziz ameaçou, durante a sessão, reconvocar o ex-secretário, mas na condição de investigado. Hoje, fala como testemunha. Aziz também se irritou com a má vontade do ex-secretário em responder aos questionamentos. Aconselhou ao depoente mudar de postura. O depoimento foi encaminhado por Aziz para o Ministério Público Federal. Lá será apurado se houve crime de falso testemunho de Wajngarten. Mas é um caminho lento e tortuoso, que dificilmente condenará o bolsonarista, pelo menos no curto prazo. Enquanto isso, espera-se que Aziz e a CPI evitem as manobras diversionistas, sigam a lei com rigor exemplar e evitem as armadilhas de figuras que agiram nas sombras, estão nos assentos da CPI, e, em breve, podem estar no banco dos réus.

Leopoldo Silva

Mentiras

Wajngarten caiu na armadilha das suas declarações. Disse ter ficado sem trabalhar em março de 2020, mas há um vídeo em que ele desmente isso. Afirmou que o governo trabalhou com campanhas educativas contra a Covid, mas o TCU diz que foi uma parcela ínfima das verbas. Negou negociações com a Pfizer, mas em entrevista afirmou ter feito várias reuniões com a empresa. Alegou não ter aval para discutir a vacina, mas há testemunho em contrário.