Protegido pela imunidade parlamentar, o senador vitalício e ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes se tornou o oitavo ex-mandatário latino-americano a entrar na mira dos desdobramentos internacionais da operação Lava Jato. Cartes foi brindado com um mandado de prisão preventiva na manhã da terça-feira 19, quando a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) lançaram a Operação Patrón, que foi atrás de outras 19 pessoas. O envolvimento de Cartes em crimes não está restrito ao recebimento de favores financeiros de empresas e negociatas com outros políticos.

O homem que governou o Paraguai entre 2013 e 2018 é acusado no Brasil de lavagem de dinheiro, organização criminosa internacional e financiamento da fuga do doleiro Dario Messer, a quem teria destinado mais de US$ 500 mil. Preso no Brasil desde 31 de julho, Messer tem cidadania paraguaia e é considerado pelas autoridades como o “doleiro dos doleiros”.

Ele teria movimentado nos últimos anos, no mínimo, US$ 1,6 bilhão em contas em paraísos fiscais, três mil empresas de fachada em 52 países e fazendas, transportadoras e casas de câmbio instaladas ao longo da Tríplice Fronteira, que inclui Brasil, Paraguai e Argentina. O político e o criminoso andam juntos desde a década de 1990, quando teriam comprado uma fazenda. O pai de Messer, também doleiro, era amigo de Cartes. Nos anos 80, as famílias chegaram a ser sócias numa casa de câmbio hoje tornada banco. A ligação é tamanha que, enquanto presidente, Cartes chegou a chamar Messer de “irmão de alma”.

Namorada envolvida

O nome da operação policial, Patrón, é uma referência ao ex-presidente, por assim ser chamado pelo doleiro Messer. Em carta escrita em junho de 2018, o criminoso pede em português: “Nessa primeira etapa vou precisar de US$ 500.000”. A PF acredita que a bolada foi enviada em parcelas por intermediários para manter seu estilo de vida foragido e cobrir “gastos jurídicos”. A intenção de Messer era obter o benefício da prisão domiciliar no Paraguai para “articular melhor a situação”. Messer acabou capturado, no bairro chique dos Jardins, em São Paulo, depois que a PF seguiu sua namorada, a advogada brasileira Myra Athayde — presa essa semana. Ela receberia o dinheiro em pacotes de até US$ 15 mil. A partir das informações obtidas com a prisão, foi possível rastrear melhor a conexão com Cartes.

Até uma foto da carta enviada para o aliado foi encontrada no celular do doleiro.

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Cigarros, drogas e armas

O pedido de prisão preventiva de Cartes foi assinado pelo juiz federal Marcelo Bretas, que atua nos casos da Lava Jato no estado do Rio de Janeiro. Bretas também pediu a inclusão do político e empresário na Difusão Vermelha da Interpol, a fim de evitar que ele tente sair do Paraguai, onde provavelmente se encontra. “Não foi ajuda para um amigo, foi financiamento de uma organização criminosa”, disse o procurador-regional da República José Augusto Vagos sobre os dólares enviados. O MPF descobriu a fazenda em sociedade por intermédio de Dan Messer, filho de Dario, que assinou um acordo de delação premiada. A história foi confirmada pelo brasileiro Lucio Bolonha Funaro, que participou do esquema de lavagem de dinheiro de corrupção encabeçado pelo ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), que acabou preso.

Desde o início dos anos 2000, agências de investigação americanas estabeleceram que a dupla também teria ligações com o tráfico internacional de drogas e armas. Empresário, industrial e ex-presidente de time de futebol Libertad, Cartes é dono da maior fábrica de cigarros do Paraguai, a Tabesa.

As marcas que produz legalmente acabam entrando contrabandeadas no Brasil, onde dominam mais da metade do mercado. As mesmas rotas para entrada de cigarros serviriam para drogas e armas, afirmam autoridades americanas.

O MPF vai tentar a extradição de Horacio Cartes, mas esbarra em dificuldades legais e políticas. Por ser ex-presidente, ganhou o cargo de senador vitalício, o que lhe confere imunidade. No aspecto político, seu partido, o Colorado, possui maioria no Senado, o que pode dificultar a obtenção dos dois terços dos votos necessários para a cassação de sua imunidade — isso se a justiça paraguaia aceitar o pedido brasileiro. A defesa nega qualquer envolvimento do ex-presidente com seu “irmão de alma” e com políticos brasileiros. Difícil acreditar. A namorada de Messer, Myra, que lhe levava dinheiro ilegalmente e visitou o Paraguai quatro vezes, entre novembro de 2018 e janeiro de 2019, é filha da ex-deputada federal Alcione Athayde (PPB-RJ). Em 2008, quando subsecretária estadual de Saúde do Rio, Alcione foi detida por suspeitas de fraude no governo Rosinha Garotinho — já condenada. Prima do ex-governador Anthony Garotinho, também condenado, Alcione e o marido, Arleir Bellieny, ajudavam a transportar o dinheiro. Em uma troca de mensagem, Myra se deslumbrou: “Não consigo nem raciocinar tanto dinheiro por minuto kkkkk”. Pelo jeito, todos são irmãos de alma.

 


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