Por que é tão difícil para a UE romper com o gás da Rússia?

Vladimir Putin nas celebrações do Dia da Vitória
Vladimir Putin nas celebrações do Dia da Vitória Foto: AFP

A União Europeia apresentou um roteiro para eliminar gradualmente a compra de combustíveis fósseis da Rússia até 2027. Mas especialistas alertam que crise energética e divisões no bloco podem comprometer o plano.

+Ucrânia e aliados europeus propõem à Rússia uma trégua de 30 dias a partir de segunda-feira

Após meses de atraso e críticas por aumentar a importação de gás natural liquefeito (GNL) da Rússia, a União Europeia anunciou um plano nesta semana para eliminar os combustíveis fósseis russos da matriz energética do bloco em menos de três anos.

A proposta elaborada pela Comissão Europeia propõe uma abordagem em duas fases: proibir novos contratos de gás com fornecedores russos até o final de 2025 e eliminar gradualmente todas as importações restantes até 2027.

“Conseguimos montar um pacote legislativo que garantirá que agora vamos eliminar completamente o gás russo da nossa matriz energética”, disse o comissário de Energia da UE, Dan Jorgensen, à DW.

No entanto, o aumento da demanda energética europeia, o esvaziamento dos estoques e divisões internas no bloco são desafios crescentes para que o plano seja aprovado e implementado.

Em 2022, por exemplo, a UE já havia anunciado uma proposta similar para romper com o gás russo e apostar na transição energética, mas a crise de abastecimento levou ao aumento das importações no último ano.

UE aumenta importação de GNL russo

Embora as importações totais de combustíveis fósseis da UE provenientes da Rússia tenham caído desde a invasão da Ucrânia, em 2022, as importações de GNL e gás por gasoduto da Rússia cresceram 18% em 2024.

Apesar da queda na participação do gás russo na matriz energética da UE, o combustível ainda representou entre 17,5% e 19% das importações totais energéticas em 2024.

Atualmente, não há vetos à importação direta do GNL russo, que pode ser transportado por navios. Os dados são do Eurostat, o escritório de estatísticas da União Europeia.

No total, o bloco comprou ao menos 23 bilhões de euros (R$ 146 bilhões) em combustíveis fósseis russos no ano passado, contribuindo diretamente para financiar a guerra do Kremlin. O novo roteiro visa interromper esse fluxo.

Pawel Czyzak, pesquisador do think tank britânico Ember, avalia o plano da Comissão Europeia como uma tentativa de reverter a perda de ímpeto político rumo à independência da Europa do petróleo e gás russos, um processo que, segundo ele, sempre foi complexo.

“Tem sido muito difícil para a Europa escapar totalmente da energia russa”, disse Czyzak à DW.

Por um lado, a invasão da Ucrânia impôs uma grave ameaça à segurança da UE, levando a apelos pelo rompimento da dependência energética. Por outro, a instabilidade provocada pela Rússia nos mercados globais desde 2021 gerou desafios econômicos — como a disparada dos preços da energia para a indústria e o agravamento da crise do custo de vida para as famílias. “Por isso a abordagem da Comissão Europeia tem sido inconsistente”, acrescentou Czyzak.

Eliminação gradual sem caminho claro

Até agora, o GNL não foi incluído nos pacotes de sanções da UE contra a Rússia. Em março de 2025, a Comissão apenas implementou um regulamento proibindo o transporte do gás liquefeito via portos europeus para países fora da UE. No entanto, as importações para consumo doméstico europeu não foram afetadas.

Segundo o Instituto de Economia Energética e Análise Financeira (Ieefa), o GNL russo continua entrando na Europa principalmente por meio da França, Bélgica e Espanha.

Em 2024, por exemplo, a França ampliou suas importações do produto em 81% ao custo de 2,68 bilhões de euros (R$ 17 bilhões).

Ana Maria Jaller-Makarewicz, analista de energia do Ieefa, avalia que a França pode estar exportando a commodity russa, apesar das sanções.

“Uma vez dentro da rede, não dá mais para rastrear. Isso beneficia tanto o exportador quanto o comprador”, disse ela à DW. Na prática, o gás russo pode ser reclassificado como europeu assim que entra no sistema.

O plano

Esse cenário dificulta o cumprimento do plano REPowerEU, lançado pela UE em 2022, que prometia reduzir a dependência dos combustíveis fósseis russos, ampliar o uso de energias renováveis e diversificar os fornecedores.

Embora Czyzak reconheça que a UE tem alcançado marcos importantes na transição energética, ele critica a postura do bloco em relação às importações de gás. Segundo ele, a UE apenas substituiu um fornecedor problemático por outro. Atualmente, o GNL dos Estados Unidos domina parte do abastecimento da UE.

“Os EUA estão usando sua posição de poder para pressionar a Europa a comprar gás — e até ameaçam com tarifas quando a Europa não obedece”, afirmou Czyzak. “Desde a posse de Donald Trump, é difícil avaliar se os EUA ainda podem ser tratados como um parceiro confiável.”

O comissário Jorgensen rebate a crítica, dizendo que seria difícil “encontrar qualquer fornecedor no mundo tão ruim quanto a Rússia.”

Apesar dos esforços para garantir fontes alternativas de gás, os preços da energia na Europa seguem elevados. Em 2024, o custo do gás no continente subiu 59%, saltando de 30 para 48 euros por megawatt-hora (R$190 para R$305).

Embora os preços tenham caído devido ao fim do inverno, eles continuam acima dos níveis pré-guerra. O problema aprofunda a desvantagem de custo industrial da Europa frente a Estados Unidos e China e resvala em projeções de estagnação econômica.

Soluções de longo prazo esbarram na divisão interna da UE

Em vez de substituir o gás russo por outro fornecedor, os especialistas concordam que a UE precisa reduzir o consumo geral de gás. Embora diminuir a demanda da indústria seja um desafio, Jaller-Makarewicz, do Ieefa, acredita que há “potencial real de redução nas residências europeias.”

A analista defende que um caminho seria investir na construção de casas com melhor isolamento térmico, reduzindo a demanda de gás para aquecimento — responsável por uma fatia significativa do consumo —, além de promover a instalação de painéis solares nas residências.

Mas, como demonstrou a reação contrária à expansão das energias renováveis na Alemanha, reformas verdes precisam do apoio da população para serem bem-sucedidas.

O roteiro da Comissão Europeia agora segue para análise dos Estados-membros. Embora baste uma maioria qualificada para aprovação, os riscos políticos são claros. Países como Hungria, Eslováquia e Áustria — todos ainda dependentes do gás russo via gasoduto — já se opuseram a medidas semelhantes no passado.

Fora de Bruxelas, a diplomacia também pode criar obstáculos. Nos bastidores, conversas sobre um cessar-fogo mediado pelos EUA na guerra da Ucrânia incluem discussões sobre o alívio das sanções à Rússia, o que pode enfraquecer a determinação da UE.

Por isso, Jaller-Makarewicz reforça a importância da cooperação dentro do bloco quando o tema é energia. “Só se os Estados-membros conseguirem permanecer unidos, o bloco poderá fortalecer a união enquanto garante a segurança do abastecimento.”