A principal facção dissidente das Farc está sofrendo uma ruptura interna que provoca uma nova crise nas negociações de paz com o governo colombiano.

Conhecidos como Estado-Maior Central (EMC), esses rebeldes rejeitaram o pacto de paz de 2016 e se fortaleceram após o desarmamento dos ex-guerrilheiros das Farc, onde vários de seus comandantes atuavam.

Uma série de ataques contra civis e as forças de segurança em meio a uma trégua acordada no final do ano passado testou a paciência do presidente Gustavo Petro.

Na terça-feira, o governo retirou o comandante rebelde Ivan Mordisco das conversações, em um esforço para salvar a política de “paz total”, que busca neutralizar o conflito de seis décadas por meio do diálogo com os principais grupos armados.

Especialistas explicaram à AFP os principais pontos para entender o que é o EMC, quem o lidera e por que é difícil negociar com essa organização

O que é o EMC?

Em meados de 2016, quando o acordo de paz entre o governo do então presidente Juan Manuel Santos e as poderosas Farc entrava em sua reta final, algumas facções guerrilheiras anunciaram que estavam rompendo com o processo porque ele implicava em uma “derrota militar”.

Eram “estruturas regionais, frentes e blocos com nomes diferentes”. Foi somente com a formulação da política de ‘paz total’ que decidiram convergir em torno do nome do Estado-Maior Central”, explica o pesquisador de conflitos Jorge Mantilla.

“Eles cresceram e começaram a se tornar um problema muito grande já a partir do governo de Iván Duque (2018-2022) (…) E esse governo lhes dá status político” para negociar com eles, acrescenta Mantilla.

Em 2022, a inteligência militar estimou sua força em cerca de 3.500 combatentes. A organização controla o tráfico de drogas e a mineração ilegal na Amazônia, em áreas como as fronteiras com a Venezuela e o Equador.

“Eles se definem como um órgão de tomada de decisões que une diferentes expressões dissidentes”, diz Juana Cabezas, do think tank independente Indepaz.

Quem é Iván Mordisco?

Mordisco, considerado até terça-feira o principal comandante do EMC, é um guerrilheiro experiente cuja morte em uma operação militar foi anunciada pelo governo do ex-presidente Iván Duque em julho de 2022.

Ele reapareceu alguns meses depois em um vídeo expressando sua disposição de participar do processo de paz proposto pelo recém-empossado Gustavo Petro.

“Ele é uma pessoa que teve uma trajetória de mais de 20 anos nas antigas Farc (…) na estrutura da Primeira Frente, a primeira frente a se opor ao acordo com o governo Santos”, explica Mantilla.

“Nas antigas Farc, ele era um comandante de nível médio. Ele nunca fez parte dos (comandantes) históricos, mas sua experiência militar e sua oposição inicial à negociação lhe deram uma legitimidade importante”, acrescenta o pesquisador.

Entretanto, seu silêncio durante as repetidas crises nas negociações levantou dúvidas sobre seu compromisso com o processo. O governo agora reconhece o comandante ‘Andrey’ como o principal interlocutor nas negociações, embora admita que ele só tenha o comando de 50% das tropas do EMC.

Mordisco, cuja localização é desconhecida pelas autoridades, ainda não fez uma declaração.

Por que as negociações não estão avançando?

Um ano e meio depois de anunciar as primeiras aproximações com o EMC, o governo colombiano fez pouco progresso nas negociações e reconhece que os rebeldes se fortaleceram.

“O principal fracasso foi pensar que havia um Estado Mayor Central unificado (….), mas ele não estava unificado, nem todas (as frentes) tinham a mesma capacidade”, ressalta Cabezas.

Os cessar-fogos – acordados e suspensos várias vezes – foram respeitados principalmente em regiões como a fronteira entre a Colômbia e a Venezuela (nordeste), enquanto as facções que operam no sudoeste atacaram as forças de segurança e civis em várias ocasiões durante as tréguas.

Para Mantilla, isso se deve às “diferenças” entre as frentes “em termos militares, econômicos e políticos, ou seja, em seu relacionamento com as comunidades”.

O ambicioso projeto de “paz total”, que abriu negociações com uma dúzia de grupos armados de vários tipos, também se revelou “um problema”, continua ele.

“Grande parte da violência na Colômbia ocorre entre esses grupos e não entre esses grupos e o Estado. É por isso que o deslocamento, o confinamento e os massacres têm sido tão difíceis de ser interrompidos por esse governo”, conclui o pesquisador.

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