Por que comprar um imóvel está mais difícil para os jovens brasileiros

Por que comprar um imóvel está mais difícil para os jovens brasileiros

"NasPesquisa aponta que 62% dos jovens brasileiros acreditam que adquirir um imóvel tem sido mais complicado do que em gerações anteriores. Não é mera percepção: dados do setor mostram que inflação e juros viraram desafio.A percepção entre os jovens brasileiros de que é mais difícil comprar uma casa hoje que em gerações anteriores está por toda parte: conversas com amigos, memes, e até discussões familiares.

Os custos dos imóveis e as taxas de financiamento são apontados como os maiores desafios para a aquisição no país. Por sua vez, o fenômeno de alta nos preços é global, pressionando governos a buscar soluções, enquanto jovens adaptam planos e adiam o sonho da casa própria ao redor do mundo.

Neste ano, uma pesquisa da consultoria Ipsos mostrou que 62% dos jovens brasileiros acreditam estar mais complicado adquirir um imóvel do que em gerações anteriores, sendo que 73% dos participantes disseram sonhar com a casa própria.

"O tema ganhou expressão muito relevante na vida dos cidadãos, normalmente, sendo o principal desejo dos brasileiros", afirma o CEO da Ipsos no Brasil, Marcos Calliari.

Em 2024, a inflação imobiliária no país teve alta de 7,7% em 2024, acima da geral, e também da média global, que foi de 2,6%. Foi a maior elevação anual no país desde 2013. A tendência foi agravada em principais centros, que contam com maior demanda.

Nos últimos anos, o setor imobiliário contou com uma série de fatores elevando as cotações dos imóveis, como os materiais de construção, que tiveram uma alta nos preços reforçada pelas disrupções das cadeias de fornecimento da pandemia, explica Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE.

"Há uma economia aquecida, com alta nos custos da mão de obra e escassez de imóveis", aponta. A economista reforça que o aumento dos gastos com as construções são um componente bem relevante nos preços finais dos imóveis, que dependem muito dos gastos com mão de obra, que vem em tendência de alta.

"Isso ganhou muito mais relevância com relação às últimas décadas. Era muito mais fácil dispor de mão de obra no país", avalia, citando motivos estruturais para crer que o movimento de alta nos preços tende a seguir forte.

Além disso, com os avanços consecutivos da Selic, a taxa básica de referência de empréstimos no Brasil, os custos para financiar um imóvel também aumentaram significativamente nos últimos anos. Em março deste ano, o Banco Central elevou a taxa a 14,5% ao ano, visando combater a inflação. Em 2020, buscando estimular a economia em meio à pandemia, a Selic chegou aos 2% em seu menor valor na história.

Impactos nos planos e adaptações

O advogado Hector Augusto Côrrea, 29 anos, teve um choque ao se preparar para comprar um imóvel em São Paulo, visando sair do aluguel na capital paulista. "O preço está absurdamente caro, incluindo em regiões que costumam ser mais acessíveis, como no Centro, beirando R$ 500 a R$ 600 mil", conta.

Além disso, com os juros básicos na casa de dois dígitos atualmente, Côrrea destaca que as linhas de financiamento afastam interessados que fazem as contas de quanto poderão gastar ao terminar de quitar o bem. "Se você não tiver uma grande soma para dar como entrada, basicamente pagará duas ou três vezes o valor do imóvel no futuro. Isso não torna atrativo comprar hoje", pontua.

Segundo o Ipsos 76% dos entrevistados que pagam aluguel possuem interesse em adquirir um imóvel, mas 36% acreditam que, devido aos altos custos, não conseguirão concretizar este desejo.

"Ainda tenho planos de comprar, mas certamente não será algo de curto prazo", projeta Côrrea. Como resultado, o advogado buscou uma consultoria financeira para lidar com seus investimentos, visando dar entrada em um imóvel em um prazo de cerca de cinco anos.

Além da maior força do aluguel, que tradicionalmente é menos presente no Brasil que em outros países, Calliari lembra que uma permanência por mais tempo na casa da família por parte dos jovens, um fenômeno comum em alguns países da Europa ao longo das últimas décadas, vem sendo reforçado também no Brasil diante deste cenário.

"Justo na minha geração…"

Nas redes sociais, memes e desabafos sobre uma suposta maior facilidade na compra dos imóveis em gerações anteriores são presença constante.

"A percepção que tenho é que na geração dos nossos pais, essa era uma questão menos complicada. Na década de 90, os meus já estavam construindo em um terreno aos seus 30 anos, o que seria impensável para mim hoje mesmo que estivesse casado com alguém", corrobora Côrrea.

Castelo reconhece que existe uma parcela da população que teve mais facilidades em outros momentos em comprar estes bens, mas pondera, lembrando que esta não era uma realidade de todos os brasileiros.

"Famílias com melhores condições conseguiam adquirir mais imóveis, mas era uma parcela pequena que usufruía disso. Hoje, existem financiamentos que não existiam, então as faixas mais baixas de renda conseguem ter melhor acesso", resume.

A expectativa de que será cada vez mais difícil conseguir uma casa também pesa na avaliação pessimista, aponta Calliari. "Muitos creem que o preço do imóvel vai subir, o que acaba gerando mais desilusão. Há um certo niilismo em parte dos jovens, que acreditam que o trabalho não irá render o que esperavam", avalia o CEO.

O especialista também acredita que a própria forma como o tema vem sendo tratado em ambientes como as redes sociais influencia a percepção popular da questão. "Estamos convencidos de que as ferramentas alternativas de comunicação, como os meses, possuem impacto", pontua.

Mitigação e ferramentas urbanas

No caso do Brasil, segundo o estudo, 20% concordaram com a afirmação de que não há muito que o governo possa fazer sobre a habitação, mas 52% apoiam a construção de novas moradias por parte do poder público. Na visão de Castelo, programas governamentais, com destaque para o Minha Casa Minha Vida, são importantes para mitigar o cenário no país.

"O crédito pelo Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) é ofertado a custo baixo, o que é ainda mais importante em um cenário macro em que isto é escasso e mais caro", avalia. Neste mês, o governo expandiu a linha de financiamento para famílias com renda mensal de até R$ 12 mil. O programa prevê condições facilitadas de crédito, como prazos de pagamento de até 420 meses e juros nominais de 10% ao ano, abaixo dos praticados pelo mercado. A expectativa é beneficiar cerca de 120 mil famílias em 2025.

Além disso, a economista destaca as ferramentas urbanísticas que vem sendo aplicadas, especialmente com os planos diretores municipais direcionando áreas centrais para habitação com interesse social no país. Apesar de denúncias recentes de desvios de funções nestes espaços, Castelo acredita que se trata de uma medida importante à disposição das cidades para lidar com o tema da moradia mais acessível.

Um problema global

O tema chama a atenção no Brasil, mas está longe de ser um problema exclusivo do país. No ranking anual da consultoria imobiliária Knight Frank sobre as altas dos preços dos imóveis em 2024, dentre as 55 economias avaliadas, o Brasil ocupou a 15ª posição. À frente, estiveram europeus como Portugal e Holanda, que vem lidando com o problema imobiliário há anos, e Colômbia e México, que se destacaram recentemente na América Latina. Entre os mercados avaliados, 80% registrou avanço de preços no último ano.

Desta forma, cresce a pressão para que governos exerçam alguma influência no mercado. Segundo estudo do Ipsos, dentre os 29 países avaliados, em nenhum deles a maioria da população está satisfeita como as medidas dos governantes para lidar com a alta dos preços dos imóveis. Nas nações pesquisadas, 52% acham que seu país está no caminho errado quando se trata de moradia, enquanto 28% estão felizes com a forma como as coisas estão sendo conduzidas.

Nos casos de Espanha e Canadá, as tentativas mais recentes buscaram restringir cada vez mais as compras de imóveis por estrangeiros. Além disso, uma série de cidades pelo mundo tomou medidas visando conter plataformas de aluguel de curta duração, frequentemente apontadas como vilões da alta dos preços dos imóveis, o que vem mostrando efeitos limitados até o momento.