Indústria milionária de bunkers de luxo floresce, mas cientistas e especialistas advertem que salvação da humanidade pode não estar debaixo da terra.Em uma bucólica região do Inland Empire, na Califórnia, Bernard Jones Jr. e sua esposa construíram o que parecia ser a casa dos sonhos, com piscina com cascata, quadra de basquete, cinema particular e bosque de árvores frutíferas. Mas também com um detalhe incomum: um bunker com capacidade para 25 pessoas, equipado com duas cozinhas, banheiros e um sistema de energia autossuficiente.
"Queríamos estar preparados", justifica Jones. "O mundo não está se tornando um lugar mais seguro."
A construção desses refúgios privados está em ascensão. O mercado de bunkers nos Estados Unidos, avaliado em 137 milhões de dólares (R$ 847 milhões) no ano passado, deve atingir 175 milhões de dólares (R$ 1,08 bilhão) até 2030, impulsionado por temores de ataques nucleares, terrorismo e distúrbios civis. Enquanto isso, os gastos mundiais com armamento nuclear estão em alta e atingiram 91,4 bilhões de dólares (R$ 564,85 bilhões) em 2023.
Ron Hubbard, CEO da Atlas Survival Shelters, no Texas, observou um aumento nas vendas após eventos como a pandemia, a invasão russa à Ucrânia e a guerra entre Israel e o Hamas. Em sua fábrica em Sulphur Springs, descrita como a maior do mundo, os bunkers em construção variam de módulos básicos que custam 20 mil dólares (R$ 123,6 mil) a luxuosas mansões subterrâneas que chegam a milhões.
"As pessoas pensam que é melhor ter e não precisar do que precisar e não ter", afirma.
Para especialistas, gasto é desnecessário
Especialistas governamentais frisam que esses bunkers são um desperdício de dinheiro, e que nenhum bunker pode oferecer proteção indefinida.
A Fema, agência americana de gestão de emergências, argumenta que abrigos comuns, como porões ou a área central de grandes edifícios, podem oferecer a proteção inicial necessária em caso de chuva radioativa. E sustenta que bunkers privados, por mais caros que sejam, não resolvem o desafio fundamental de sobrevivência a longo prazo.
Especialista do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, Brooke Buddemeier afirma que, após uma explosão nuclear, as pessoas têm cerca de 15 minutos para buscar proteção contra a chuva radioativa.
Além disso, críticos das armas nucleares insistem que não é possível sobreviver a uma guerra nuclear.
É por isso que Alicia Sanders-Zakre, da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares, diz que os bunkers são mais "uma ferramenta para ajudar a população a lidar psicologicamente com a possibilidade de uma guerra nuclear" do que de fato um meio de sobrevivência.
Sanders-Zakre explica que os efeitos da radiação, o aspecto mais devastador das armas nucleares, vão além da sobrevivência inicial, causando danos de longo prazo à saúde que afetam gerações, mesmo entre aqueles que se protejam inicialmente.
"No final das contas, a única solução para proteger as populações da guerra nuclear é eliminar as armas nucleares", ressalta.
O congressista americano James McGovern, que há décadas alerta para os perigos das armas nucleares, concorda: "Se chegarmos a uma guerra nuclear total, os bunkers subterrâneos não protegerão as pessoas. Devemos investir em impedir a proliferação nuclear."
Bernard Jones, que construiu o bunker citado no início deste texto, diz que acabou se desfazendo a contragosto do imóvel. Os novos proprietários afirmam que ainda não dormiram no esconderijo nem se preocupam muito com uma guerra nuclear, mas mantêm provisões no local para o caso de virem a precisar dele. "Dissemos a alguns amigos: se as coisas enlouquecerem e ficarem ruins, venham para cá o mais rápido possível."
ra/bl (AP)