Vou explicar logo o título deste artigo. Ele se refere a The Weirdest People in the World, livro do cientista americano Joseph Henrich que foi lançado há pouco nos Estados Unidos e vem causando uma boa discussão. 

Em português o nome seria, literalmente, As Pessoas Mais Estranhas do Mundo. Mas algo se perde na tradução.

Além de indicar algo raro ou esquisito, WEIRD, neste caso, é também um acrônimo, ou seja, um termo formado pelas letras iniciais de outras palavras: Western (Ocidental), Educated (Educado), Industrialized (Industrializado), Rich (Rico) e Democratic (Democrático). 

Ficaria OEIRD em nossa língua, o que obviamente não funciona. Como não sou nenhum poeta concreto, vou usar uma solução chocha, só para lembrar que tem algo diferente em jogo: aquilo que Henrich chama de WEIRD, vou chamar de ESTRANHO, em caixa alta. É o que temos para hoje…

Henrich, um biólogo evolucionista que ensina em Harvard, pretende iluminar os processos psicológicos e culturais que levaram ao surgimento de sociedades com as cinco características positivas indicadas acima – sociedades que ainda hoje são mais exceção do que regra.

Uma passo fundamental para o surgimento de sociedades ESTRANHAS é que haja indivíduos menos condicionados pelo instinto natural de pôr a família ou a tribo acima de tudo mais. 

Escreve Henrich: “Gente ESTRANHA tende a se guiar por princípios e regras impessoais, a demonstrar confiança, honestidade, senso de justiça e espírito cooperativo diante de desconhecidos ou anônimos. Em relação à maioria dos povos, gente ESTRANHA exibe uma dose menor de favoritismo para com familiares e amigos, pessoas da mesma etnia ou da mesma comunidade. Ela acredita que o nepotismo é errado…”

Repetindo o vocabulário técnico do autor, os cidadãos das nações mais desenvolvidas mostram um grau elevado de “prossociabilidade impessoal”, que é a capacidade de não ver uma ameaça em qualquer um que não pertença ao seu círculo mais próximo – e também de confiar em instituições abstratas como governos e tribunais. 

“Países onde as pessoas mostram mais prossociabilidade impessoal têm PIB per capita maior, mais produtividade, governos mais eficientes, menos corrupção e taxas mais aceleradas de inovação”, diz Henrich. 

Com essas informações  em mente, podemos voltar ao título: Bolsonaro não é ESTRANHO. 

O presidente que dorme armado, mesmo cercado de seguranças, e que insiste que as urnas eletrônicas foram fraudadas, mesmo quando ele ganhou as eleições, tem clara dificuldade para confiar em pessoas e instituições. Sua necessidade de ter um chefe da Polícia Federal com quem possa tomar tubaína no fim de semana, em vez de alguém com quem tenha simplesmente um relacionamento institucional, aponta para um baixo nível da tal “prossociabilidade”. 

Mas é na ligação com os filhos que Bolsonaro demonstra estar muito longe de ser um daqueles notáveis ESTRANHOS descritos por Henrich. É difícil imaginar um cargo que exija maior impessoalidade do que a Presidência: seu ocupante deveria representar 220 milhões de pessoas. Apesar disso, Bolsonaro age como o mais primitivo caçador do Neolítico.

Ele protege o filho Flávio que, tudo indica, engordou o patrimônio com rachadinhas de dinheiro público.  Passa a mão na cabeça de Eduardo, que põe em risco interesses do país com mensagens irresponsáveis sobre a China. Incentiva Carlos, que sabota a democracia com ações incendiárias no submundo da internet. Parece que até lobista dos negócios de Renan, o caçula, o presidente virou. Haja nepotismo. 

Se países com gente ESTRANHA têm melhores indicadores de prosperidade e desenvolvimento, seria de esperar que um país com um presidente tão “normal” quanto Bolsonaro tivesse dificuldade para progredir. Basta olhar o noticiário brasileiro para confirmar a hipótese. 

O livro de Joseph Henrich está recheado de testes psicológicos que ajudam a identificar um indivíduo ESTRANHO. Sugiro que daqui em diante todo candidato a presidente no Brasil seja obrigado a responder a eles durante a campanha.