É difícil apontar qual área do governo federal é mais desastrosa, mas minha aposta recai sobre a política externa. A diplomacia funciona em uma velocidade diferente da que vivemos no mundo real, mais lenta e analítica, tendo sempre como norte uma perspectiva histórica e de longo prazo. A economia brasileira deve se recuperar com relativa rapidez assim que um novo governo assumir, assim como os altos índices de vacinação demonstram que os brasileiros não dão ouvidos à escória negacionista. A imagem do País no exterior, porém, pode levar décadas para ser recuperada.

Dizer que a gestão do ex-chanceler Ernesto Araújo foi um desastre é quase um elogio a ele. Só um lunático olavista poderia ter orgulho de ter transformado o seu próprio país em “pária internacional”, como ele mesmo admitiu. No entanto, Carlos Alberto França, que chegou ao Itamaraty com ares de discrição – principalmente comparado ao pavão ignóbil que o antecedeu –, infelizmente vem se mostrando aos poucos por que foi escolhido por Bolsonaro para ocupar o cargo.

Apenas uma gigantesca ignorância geopolítica explicaria a organização de uma visita oficial à Rússia nesse momento. Talvez França não leia os jornais, mas o país liderado por Vladimir Putin está à beira de uma guerra que poderia, se tudo der errado, se transformar em um conflito mundial generalizado. Vale a pena se envolver nesse assunto agora? O que Bolsonaro vai fazer na Rússia? Ninguém sabe. Muito provavelmente, nem França, nem Bolsonaro. Apesar de ser um colega no pouco efetivo BRICS – organização que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – não há praticamente nenhuma agenda econômica, política ou de qualquer outra natureza que justificasse uma viagem a Moscou. Ainda mais agora.

É impossível que França não compreenda o impacto que uma viagem diplomática tem sobre a política internacional. É um símbolo sólido de apoio, de parceria entre os países. Na diplomacia, uma photo-op vale mais que mil palavras. No momento em que os EUA e Europa pressionam Putin para ele não invadir a Ucrânia, o que representa um aperto de mãos entre Bolsonaro e o líder russo juntos? Que mensagem isso passa?

É claro que Bolsonaro não entende isso, afinal, ele não deve ser capaz sequer de apontar onde está a Rússia no mapa (e olha que ela é grande). Por tudo isso, é importante que o chanceler França adie a viagem até que a crise na fronteira com a Ucrânia esteja resolvida ou, pelo menos, bem encaminhada. Putin é esperto o suficiente para transformar a viagem de Bolsonaro em apoio à invasão, enquanto o presidente brasileiro deve estar pensando apenas nas vantagens que ele e sua turma terão ao fazer mais uma viagem de turismo nababesca – paga pelo contribuinte, claro.