Admirável Mundo Novo”, do inglês Aldous Huxley, é um dos maiores clássicos de ficção científica da literatura universal. Escrito em 1932, rivaliza com “1984”, do também inglês George Orwell, como distopias que mais se aproximaram da realidade dos nossos tempos. Em seu livro, Aldous Huxley faz uma contabilidade da eficácia daquilo que hoje ganhou o apelido de fake news. “Sessenta e duas mil repetições fazem uma verdade”, escreveu ele. Nas eleições deste ano, o elemento definidor nas eleições deste ano parece ter sido a presença massiva dos militantes dos candidatos nas redes sociais. Não raras vezes procurando garantir, de fato, que 62 mil repetições, publicadas e compartilhadas nas redes, se tornassem verdade.

Nas duas últimas semanas, ISTOÉ infiltrou-se nos grupos de Whatsapp e páginas fechadas do Facebook dos militantes virtuais que trabalham para os dois principais candidatos à Presidência da República, Jair Bolsonaro, do PSL, e Fernando Haddad, do PT. Dentro dos grupos, percebe-se um pouco de tudo. Há, principalmente, uma tentativa de diminuir o impacto negativo de notícias e ataques dos adversários. São criadas teorias conspiratórias diversas, que atribuem interesses difusos aos fatos publicados.

Dentro dos grupos, ficou claro que o envolvimento e atividade dos militantes virtuais de Bolsonaro foi bem maior que os ligados ao PT e Fernando Haddad. Doutor em Ciência da Computação, Fabrício Benevenuto é Coordenador do Projeto Eleições Sem Fake da UFMG e confirma a maior atividade da militância bolsonarista. “O que temos percebido é que há uma profusão maior de grupos em apoio ao Bolsonaro. No início do ano, os grupos de militantes do PT e mesmo de outros partidos eram maiores. Isso mudou “, descreve. Para exemplificar o que afirma Benevuto, o grupo fechado de Facebook “Jair Bolsonaro Presidente” tem 226 mil seguidores e o grupo “Apoiadores De Jair Bolsonaro”, 322 mil. Os maiores grupos pesquisados no lado de Haddad – “PT 2018 com Lula-Haddad e Manu” e “Haddad 13 presidente” – têm, respectivamente, 83 mil membros e 22 mil integrantes.

No lado petista ou contrário a Bolsonaro, o trabalho é mais eficiente no Facebook e no Twitter. E mesmo mais em grupos abertos do que fechados. O caso mais notório é o grupo “Mulheres contra Bolsonaro”, que já tem mais de 3 milhões de seguidores. Para os especialistas, porém, as duas redes sociais não produzem a instantaneidade e a capacidade de ampliação de mensagens do Whatsapp, ferramenta preferida dos apoiadores de Bolsonaro. É como se os militantes do PT disputassem uma corrida de Fórmula Um com um carro de Stock Car. Em entrevista, o próprio candidato do PT, Fernando Haddad, admitiu a dificuldade de conseguir manter uma campanha competitiva sem a participação das correntes de Whatsapp.

ISTOÉ acompanhou como os grupos pró-Bolsonaro trabalharam a partir do sábado 28 para neutralizar os efeitos das manifestações convocadas pelas mulheres contra ele. Inicialmente, os grupos sugeriram impulsionar a hashtag #EleSim como resposta ao #EleNão. Logo, concluíram que era melhor trocar por #PTnão, para marcar no movimento um caráter partidário. Enquanto isso, verificou-se que nos grupos ligados ao PT havia uma maior preocupação em evitar uma fuga de votos de Haddad para o candidato Ciro Gomes, do PDT. Ou questionar a cobertura que os veículos de comunicação davam às manifestações. “Não dão visibilidade aos atos! A Globosta não mostra imagens aéreas”, dizia uma postagem compartilhada pelo grupo “Comitê Anti Fascistas”, referindo-se à TV Globo com o termo pejorativo. Iniciada a semana, uma das principais ações verificadas nos grupos ligados ao PT foi tentar reduzir os efeitos da delação do ex-ministro Antonio Palocci e mitigar a rejeição crescente a Haddad. A militância virtual parece comprovar o vaticínio de Aldous Huxley, transformando em verdade milhares de repetições. O problema é quando essa realidade criada se torna preocupantemente fora da realidade…

Há, principalmente, uma tentativa de diminuir o impacto negativo
de notíciais e ataques desferidos por adversários na corrida eleitoral

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