Está nas mãos da senadora Simone Tebet (MDB-MS), 49 anos, o futuro da Reforma da Previdência. Ela é a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde está, desde o último dia 8, o projeto aprovado em dois turnos na Câmara dos Deputados. E também o parecer do relator da CCJ sobre a proposta, que começou a ser elaborado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e ficará pronto na quarta-feira 28. Esse parecer será submetido ao Plenário no próximo dia 4 para votação final. Eventuais mudanças sairão dessa comissão, mas a senadora já avisa que não deverão ser feitas grandes alterações. Para ela, a discussão maior é se o Senado incluirá ou não os estados e municípios. O mais provável é que essa inclusão seja feita por meio de uma PEC paralela. De um ponto ela tem certeza: ficará de fora o sistema de capitalização que o ministro Paulo Guedes tentou emplacar na Câmara sem sucesso e que agora procura retomar no Senado. Simone, especialista em Direito Constitucional, manda um recado a Bolsonaro: a radicalização política sustentada pelo presidente é nociva ao País, atrasando, até mesmo, o andamento das reformas e a recuperação da economia.

Como presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a senhora acha que a Reforma da Previdência passa sem problema?

Não tenho dúvida em relação ao mérito. Por mais complexa que seja a Reforma da Previdência, já que ela mexe com 210 milhões de brasileiros e com as futuras gerações, ela sempre foi e continuará sendo a reforma mais difícil e o voto mais complicado a ser dado por um parlamentar. Mas, diante do caos que estamos vivendo, da crise econômica sem precedentes, e com o amadurecimento político que atingimos sobre nossos problemas, criou-se um ambiente favorável para que os parlamentares possam, com seu senso de responsabilidade, dar o voto de acordo com esse momento. Assim, por mais profunda que a reforma seja, não vejo muita dificuldade para que passe o texto que veio da Câmara. Podemos até fazer alguma correções e incluir estados e municípios numa PEC paralela.

O relatório do senador Tasso Jereissati deve mesmo ser votado até o dia 4 de setembro em Plenário?

Houve um acordo com os líderes de que o calendário na CCJ será cumprido. Recebemos a reforma no dia 8 de agosto e temos regimentalmente um prazo de 30 dias para entregar o relatório. Pactuamos que esse prazo será cumprido. Já nessa semana fizemos as audiências públicas e o relatório do senador Tasso Jereissati está pautado para a quarta-feira 28, quando será lido na CCJ. Na semana seguinte vamos discutir e aprovar o relatório.

A senhora acha que o Senado vai mudar muita coisa do que veio da Câmara?

Temos o instrumento constitucional de destacar no relatório do senador Tasso qualquer emenda que considerarmos importante. Para não comprometer o texto principal e não atrasar a promulgação da PEC, destacaremos o que considerarmos importante numa PEC paralela, que poderá vir com a inclusão dos estados e municípios. Não haverá espaço para novas mudanças naquilo que já foi aprovado em dois turnos na Câmara. Acho que o regime de capitalização já nasceu morto, porque foi demonizado pela sociedade, razão pela qual acabou rejeitado pelos deputados.

Então o Senado deve modificar a proposta apenas na questão dos estados e municípios?

Vamos avançar nessa questão, mas a pergunta que fica é: de que forma faremos isso, uma vez que a Câmara já rejeitou a ideia? Aqui tem duas correntes: uns entendem, como o relator, que temos de incluir automaticamente e aí irá para a Câmara. Mas essa opção, que seria a melhor, tem um risco maior de ser rejeitada pelos deputados. Eu advogo tese intermediária: se for para incluir estados e municípios numa PEC paralela, devemos estabelecer que esses entes federativos poderão aderir a essa reforma mediante uma lei e não por emenda constitucional. Com isso, diminui o quórum para estados e municípios aprovarem nas suas assembleias e câmaras a ratificação da reforma federal.

Se os estados apresentam rombo de R$ 100 bilhões por causa da Previdência, por que os parlamentares não incluem estados e municípios?

É simples. Por que os estados e municípios não fazem a reforma? Temos de entender que a Reforma Previdenciária só passou na Câmara, com esse quórum tão alto, porque os estados e municípios não estavam contemplados. Se a Câmara tivesse incluído polícia civil, polícia militar, bombeiros, professores, servidores municipais, estaduais, os deputados sofreriam uma pressão tão grande que talvez a reforma ainda estivesse na Câmara.

Além da Reforma da Previdência, há no Senado outras medidas importantes, como o pacote anticrime e a reforma tributária. Essas propostas passam?

Sim, nós estamos conscientes das nossas responsabilidades. Eu nunca vi o Congresso Nacional com um ambiente tão favorável, de união dos congressistas, de esforço concentrado a favor de uma agenda do País. É quase um pacto do Congresso com a sociedade, à margem inclusive do próprio governo. A Reforma da Previdência foi apresentada por Jair Bolsonaro, mas foi mérito da Câmara a sua aprovação. Em diversos momentos o presidente da República, com suas frases infelizes, contaminou o processo. Não vimos uma fala contundente do presidente a favor da Reforma Previdenciária. Imagino como será a discussão da reforma tributária que fala em desburocratizar e unificar tributos.

Passa uma reforma tributária?

Eu sou cética em relação a uma pronta reforma tributária. Há 20 anos se discute essa reforma e, toda vez em que ela é discutida, fala-se do ICMs e a coisa para. Uma mini-reforma tributária, que tenha impacto na vida das pessoas, desburocratize, que facilite a vida dos que querem gerar emprego, que unifique impostos federais e agilize a vida daquele produz, já é um alento. Essa mini-reforma poderá ser aprovada até o final do ano, deixando para 2020 as discussões mais difíceis, como, por exemplo, o que fazer com o ICMS.

A CP ou uma nova CPMF têm chances no Congresso?

Não. Eu não vejo hoje o Congresso Nacional aprovando aumento de imposto no Brasil, por mais que diminua as alíquotas de Imposto de Renda de um lado e crie um imposto de 0,1% ou 0,2% da movimentação financeira. Sempre que se criou um novo imposto no Brasil, a população acabou pagando mais.

A senhora chegou a dizer que Jair Bolsonaro atrapalhou a Reforma da Previdência. Entende que esse estilo dele, ao falar demais, prejudica o País?

Sem dúvida nenhuma. Qual é a pauta prioritária para o País? É a pauta econômica para que nós retomemos o desenvolvimento. Os serviços públicos estão sucateados. Então, quando estamos diante desse quadro, não contribui quando Bolsonaro trata das questões menores, polarizando, criando um fosso dentro da sociedade e estimulando o debate ideológico. Gastamos horas discutindo as suas frases infelizes. Esse clima que tomou conta do Brasil deveria ter se encerrado nas urnas. Bolsonaro continua no palanque, disseminando esse clima de radicalização. E a crise econômica que está dominando o País vai demorar mais para passar por causa de uma crise política provocada pelo próprio presidente.

Ele deveria ficar calado?

Certamente. Bolsonaro deveria dizer muito obrigado ao Congresso pela aprovação da Reforma da Previdência, ao invés de estimular o seu público nas redes sociais, sobretudo os radicais, a dizerem que aqui no Congresso todos representam a velha política, agem na base do toma lá dá cá e do fisiologismo.

O presidente prepara-se para encaminhar ao Senado a indicação de seu filho, Eduardo Bolsonaro, como embaixador em Washington. A indicação será aprovada?

Até a semana passada, o sentimento aqui no Senado estava dividido. Havia um empate numérico, em 7 a 7, na Comissão de Relações Exteriores. Desde então tenho visto o presidente conversando com senadores e espero que seja de forma republicana.

A senhora acha que o presidente tem feito pressão no Senado para que o nome do filho passe?

Quero crer que as conversas sejam apenas republicanas. Como eu não conversei com o presidente, não posso opinar sobre o nível das conversas, mas acredito que seja de forma democrática. Afinal, ele já disse que não vai se utilizar da barganha para negociar qualquer coisa na Casa. Bolsonaro falou isso em relação às reformas e a todos os projetos que enviou. Seria um contrassenso fazer isso na indicação do filho para a embaixada.

A senhora acha que Eduardo é preparado para o cargo?

A sabatina vai dizer. Mas o presidente deveria dar o exemplo. Ele disse que gostaria de dar filet mignon para os filhos. Ora, temos mais de 13 milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza, vivendo com até R$ 89 por mês. Com esse dinheiro não se consegue comprar nem a cesta básica. Todos nós queremos o melhor para os nossos filhos. Esse tipo de mau exemplo é que não deveria ser dado. Bolsonaro erra nisso. Enquanto temos a pauta da segurança, de suma importância, vamos ter de ficar paralisados pelo menos uma semana discutindo a indicação de Eduardo. Bolsonaro não precisava mandar o filho para a embaixada mais importante da diplomacia brasileira em um momento de polarização comercial entre China e EUA. Não precisávamos ficar no meio desse tiroteio e escolher um lado.

Há nepotismo?

A Justiça está entendendo que não. Mas independente de ser legal ou ilegal, temos uma discussão ética e moral. Não conhecemos hoje nenhuma democracia no mundo que tenha filho de um presidente como embaixador.

O seu partido, o MDB, se desgastou nos últimos tempos com o envolvimento de seus integrantes em denúncias de corrupção. A senhora acha que o partido deve mudar?

Eu estive na semana passada numa reunião do movimento nacional do MDB Mulher e a primeira fala minha foi essa: temos uma crise social e política e temos de reconhecer que o partido foi operário dessa crise. Infelizmente estivemos ao lado dos governos que provocaram a crise e, portanto, temos responsabilidade pelo o que aconteceu. Não basta mudar o nome. Temos de resgatar os ideais dos fundadores do MDB e deixar de lado o fisiologismo.