Em meio a caretas, escândalos e muito barulho, Silvio Berlusconi lançou um estilo na política: o populismo radical. Foi o precursor de Donald Trump, outro adepto de transplantes capilares e plásticas, mas também de discursos carregados de preconceitos e nenhuma preocupação com a coerência: os dois basearam suas campanhas no “combate à corrupção”, mas significativamente motivaram sentenças contra eles mesmos nesse quesito.

Berlusconi chegou a seu primeiro mandato como primeiro-ministro da Itália na década de 1990 e se manteve por outros dois. O ex-presidente americano, já indiciado em dois processos dos sete a que terá de responder, quer a vaga do Partido Republicano para concorrer novamente à Presidência dos EUA no ano que vem.

Berlusconi foi o “pai” dos fanfarrões globais e midiáticos na política, mas Trump potencializou essa projeção com o avanço vertiginoso das redes sociais, tornando-se alavanca poderosa para a extrema-direita na geopolítica mundial. Por isso, é muito mais perigoso.

Nos anos 1990, Berlusconi “ainda ficava meio isolado”, como observa Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB.

Uma segunda onda de populistas se estabeleceria mais tarde, com radicais como Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, ou mesmo neoliberais, como Boris Johnson, do Reino Unido.

Sintomaticamente, Berlusconi se elegeu após a Operação Mãos Limpas, com discurso de empresário como Trump, “do mundo privado, onde alegam que não há corrupção”, lembra o professor António Costa Pinto, coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Fala do político italiano como oportunista, racista, associado a futebol e mulheres, “de país católico mas sem assumir muito os valores católicos, contraditório como Trump mas não revanchista”. Um modelo menos elitista, mais empático com a sociedade, “mais próximo do homem comum”.

Fundador do Forza Italia, Berlusconi continuou colecionando seguidores jovens até 2022, postando vídeos no TikTok para ajudar a coalizão de direita a eleger a neofascista Georgia Meloni como primeira-ministra. “Ele serviu como caução, espécie de garantia para a extrema-direita se tornar mais palatável”, observa Costa Pinto.

Berlusconi morreu aos 86 anos “como caricatura dele mesmo” e deixou crias extremistas à solta (ao menos por enquanto). Como Trump.

Populistas acuados
Rei das festas eróticas, Silvio Berlusconi foi condenado mas morreu sem ir para a cadeia (Crédito:Roberto Salomone)

Caça ao bruxo

Na terça-feira, 13, o ex-presidente Trump, que governou de 2017 a 2021, compareceu a um tribunal federal na Flórida e foi denunciado por 37 crimes relacionados ao furto de documentos secretos da Casa Branca, incluindo planos nucleares, que compartilhou até com companheiros de golfe.

Ele incendeia o Twitter se dizendo vítima de uma caça às bruxas, chama o juiz de “bandido”… Nada de novo. Mas esse julgamento deve ficar para depois da eleição presidencial de 5 de novembro de 2024. Pior: Trump aparece como grande favorito dos republicanos e empatando com Joe Biden, que pleiteará a reeleição.

Populistas acuados
Posto para fora do Executivo e do Legislativo, Boris Johnson também se diz perseguido (Crédito:Ben Stansall / AFP)

 

Às voltas com a justiça

Trump já havia sido denunciado por um tribunal distrital em abril, em Nova York, por 34 crimes de fraudes em registros comerciais para atrapalhar a eleição de 2016, quando venceu Hilary Clinton.

Nesse pacote está ainda o pagamento por “serviços” de uma atriz pornô — e a maior probabilidade de se tornar inelegível, se comprovado que o dinheiro não saiu do bolso dele, mas do caixa de campanha. Em maio, se viu obrigado a pagar US$ 5 milhões a uma vítima de estupro.

“Estão tentando acelerar processos para ele ter o registro de candidatura negado. Para ficar inelegível. Isso, se não for preso por sedição”, afirma o professor Goulart. Pela tentativa de golpe em 6 de janeiro de 2021, mais de 800 extremistas foram presos. “Alguns já foram condenados a dois e quatro anos de cadeia e estão chegando ao grupo de 18 a 20 anos de prisão. Como o líder extremista do Proud Boys, indiciado com outros quatro.”

Outro herdeiro de Berlusconi também está em apuros: Boris Johnson, um dos arquitetos do Brexit. Denunciado pela festa em sua residência oficial quando todo o reino obedecia ao lockdown da pandemia, deixou o governo.

E, nesta semana, renunciou ao Parlamento, “por enquanto”, depois de ouvir que seria obrigado a devolver a cadeira de deputado pelo Partido Conservador. Saiu “perplexo e chocado”.

É a mesma tática de outros populistas, tão falastrões quanto corruptos, calcada em redes sociais e ensinada por Steve Bannon (ex-estrategista-chefe de Trump): espalhar fake news, agressões e vídeos mostrando a “simplicidade” de seu cotidiano.

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