LEGADO Herdeira politica do pai Alberto, Keiko disputou a presidência pela terceira vez (Crédito:Sebastian Castaneda)

Por uma margem muito estreita, Pedro Castillo anunciou na última quarta-feira, 9, que havia vencido Keiko Fujimori nas eleições do último dia 6, consagrando-se novo presidente do Peru. Apesar de sua vitória ter sido contestada pela filha do ex-presidente Alberto Fujimori, que denunciou fraudes mas não apresentou provas, o resultado era praticamente irreversível. Com 98,8% dos votos apurados, o esquerdista mantinha uma vantagem de 50,2% contra 49,8%. A provável vitória de Castillo, 51, um professor do ensino primário do departamento (estado) de Cajamarca, nos Andes, representa a volta da esquerda populista ao poder no país de 33 milhões de habitantes e abre uma série de desafios. O primeiro é que sua coligação, formada por partidos de esquerda e extrema-esquerda, não terá a maioria no Congresso de 130 deputados. O segundo desafio é econômico: a pandemia matou 180 mil peruanos e derrubou o PIB em 11% no ano passado. Castillo tem uma visão estatizante e nacionalista da economia — é contra a presença de multinacionais no país, por exemplo.

“Se a Keiko Fujimori vencer, as dificuldades serão gigantescas, mas basicamente políticas. Com a provável vitória de Castillo, o desafio será tanto político como econômico”, diz Paulo Ramírez, professor de Relações Internacionais da ESPM. O partido de Castillo, Peru Libre, tem 37 deputados no Congresso — que não tem Senado. Somado aos partidos de centro-esquerda, Castillo chega a 42 deputados. Isto é insuficiente para aprovar qualquer mudança constitucional, mesmo a convocação de um referendo, para o qual é necessária a aprovação de 66 deputados — a maioria simples. A campanha eleitoral foi extremamente polarizada. Até personalidades como o escritor Mario Vargas Llosa decidiram apoiar Keiko, não por convicção, mas porque têm mais medo de um governo Castillo.

“A pandemia e a recessão foram fatores importantes para a radicalização. Mas as razões para a crise são mais profundas e envolvem a necessidade de uma reforma política”, diz Thiago Vidal, analista político chefe da Prospectiva, consultoria brasileira especializada na América Latina. Vidal lembra que o presidencialismo peruano é diferente, porque o parlamento possui o poder de veto a ministros. A Constituição, estabelecida em 1993 pelo ditador Alberto Fujimori, está ultrapassada. “O sistema político peruano foi desenhado de um jeito que é um gatilho para crises”, comenta Vidal.

ABSTENÇÃO Embora mais de 16 mihlões de peruanos tenham votado, 25% do eleitorado se asbteve (Crédito: Angela Ponce)

Estatização

Os votos de Keiko, 46, vieram em sua maioria da área metropolitana da capital, Lima, da província de mesmo nome e do departamento de Callao. Esta região, onde a indústria, comércio e serviços são fortes, concentra a metade do PIB e um terço da população do país. Keiko também venceu nos departamentos litorâneos de Tumbes, Piura e Ica. Todos os departamentos andinos, como Pasco, Arequipa, Cusco e Cajamarca, votaram em Castillo. Já no 1º turno, Castillo obteve mais de 30% dos votos na região andina. No setor da mineração, onde as empresas ficam com 70% do lucro e repassam 30% ao Estado, Castillo quer revisar os acordos e inverter a proporção: o governo ficará com 80% do lucro e as empresas, com 20%. As que recusarem a mudança serão estatizadas. O Peru é um grande produtor de cobre, ouro e zinco. O país se beneficiou do ciclo das commodities e Castillo também quer revisar todos os contratos de petróleo e gás natural.

“Quem vencer, precisará do centro no Congresso para fazer qualquer coisa. É uma situação parecida com a do Brasil”, comenta Clayton Pegoraro de Araújo, professor de direito internacional na Universidade Presbiteriana Mackenzie. A polarizada eleição peruana é um alerta para os brasileiros, que votarão em 2022, apontam analistas. No Brasil, candidatos dos extremos também poderão disputar o governo com soluções milagrosas — e anacrônicas.