Jair Bolsonaro acordou com motivos para celebrar, mas deve ir dormir preocupado. 

A boa notícia veio da pesquisa Datafolha publicada hoje. Ela comprovou o que já se sabia: . o pagamento do coronavoucher fez bem à popularidade do presidente. Sua aprovação subiu de 32% para 37% durante a pandemia, o melhor índice desde o começo do mandato, sendo que três desses cinco pontos extras vêm de cidadãos beneficiados pelos 600 reais. 

Acredito que a explicação mais satisfatória para os dois pontos restantes, obtidos em outras camadas da população, está na mudança de comportamento do presidente, que desde meados de junho reduziu sua taxa de conflitos por segundo. Pouca gente gosta de viver num quadro permanente de instabilidade. 

O motivo para dormir preocupado é que o auxílio emergencial vence em dezembro e há pouquíssima grana no cofre para investir em obras públicas no ano que vem. Se o brasileiro começar 2021 sem dinheiro no bolso, numa economia estagnada, sua boa vontade para com o governo vira fumaça rapidinho. 

Bolsonaro sabe que precisa despejar dinheiro na praça para ficar bem na foto. Convive ainda com sereias gastadoras como os ministros Braga Netto e Rogério Marinho, que suplicam sem parar ao seu ouvido: “Vinte bilhões… Trinta bilhões…” 

Dois dias atrás, no entanto, ele foi pressionado pelos presidentes da Câmara e do Senado e pelo seu próprio ministro da Economia a reiterar em público o compromisso com o teto de gastos, ou seja, com a regra que proíbe o governo de ampliar as despesas de um ano para outro, podendo haver apenas a correção dos valores pela inflação. 

Pode-se medir a frustração do presidente com o discurso que lhe foi imposto por aquilo que ele disse na live habitual desta quinta-feira. Bolsonaro reclamou que estão querendo interditar o debate sobre furar o teto de gastos. Ele esbravejou: “Qual o problema?” E prosseguiu: se o Brasil já liberou 700 bilhões de reais para o combate à pandemia, por que não liberar mais uns 20 bilhõezinhos para obras que também são importantes, como as de saneamento? 

Concordo com a primeira parte do raciocínio, discordo da segunda. 

De graça, nem a pau – A discordância, para começar. O Brasil não tinha 700 bilhões para gastar com a pandemia. Ele teve de aumentar ainda mais o seu déficit e o seu endividamento para fazer isso. A justificativa é que ninguém estava preparado para lidar com um vírus assassino, nem tinha uma ideia clara do que seria necessário para combatê-lo. 

Não é a mesma coisa com obras públicas. Elas são necessárias, mas não imprevisíveis. O governo poderia ter se organizado para realizá-las. Podia ter feito caixa, por exemplo, cumprindo as promessas de campanha de fechar e privatizar empresas estatais. Mas não se mexeu, por incompetência e por razões políticas, e agora quer dar um jeitinho de burlar as regras que conhecia muito bem, por mera conveniência e oportunismo. Nem a pau!

No que concordo com Bolsonaro?  Não sou um xiita do teto de gastos. Acho que a pandemia modificou de forma tão profunda o cenário da economia brasileira e mundial que rediscuti-lo é quase uma obrigação. Mas de maneira organizada, com perspectiva de longo prazo, e não para deixar Bolsonaro feliz. Escrevi sobre isso outro dia. 

A economia dá sinais de ter entrado em recessão. Há milhões de desempregados. Milhares de empresas fecharam. O ano de 2021 pode ser, mais uma vez, tenebroso. Nessas circunstâncias, até mesmo um acréscimo de investimentos públicos já em 2021 poderia ser aceitável, contanto que a solução não seja casuística. Se o debate for honesto, a credibilidade do país não sai esfolada.

Quem parece mais avesso a levar qualquer conversa desse tipo adiante, neste momento, é o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia. Ele foi um dos que pressionaram Bolsonaro a fazer o pronunciamento público na quarta-feira. Hoje, disse mais uma vez que é contra qualquer violação do teto de gastos. 

Maia, no entanto, também vem cobrando bastante o envio de um projeto de reforma administrativa que está parado na gaveta do presidente. Pergunto-me se o envio dessa proposta ao Congresso não poderia amolecer um pouco a resistência do deputado, que lidera muita gente. 

Política é negociação. Bolsonaro talvez consiga o que deseja. Mas que não seja de graça. 

 

PS: Sobre os outros dois pontos de melhora na avaliação de Bolsonaro. O presidente parou de brigar quando Fabrício Queiroz foi preso. Se minha hipótese estiver correta, muita gente aprovou a mudança de comportamento, sem registrar com muita clareza a sua causa. Queiroz está voltando para trás das grades, e desta vez sua mulher também vai. As investigações sobre o esquema de rachadinha supostamente montado no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembléia do Rio de Janeiro avançam, trazendo novidades (que envolvem inclusive o presidente e sua mulher). Também há suspeitas sobre Carlos e Eduardo Bolsonaro. Nesta seara, Bolsonaro tem motivos de sobra para não dormir em paz. E aqui não há o que negociar.