A jovem Lauren Cristina Fornaro Pereira estava esperando pelo seu primeiro filho, Rafael. No dia 24 de julho de 2019, ela deu entrada na Maternidade Municipal Alice Campos Machado, em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, com muitas dores. Após esperar por um longo período, em 25 de julho, o bebê nasceu morto. Agora a mulher, de 26 anos, acusa o hospital e os profissionais de violência obstétrica: “foram 31 horas com a bolsa estourada e ninguém fez nada”.

Resumo:

  • Lauren afirma que realizou todos os exames de pré-natal e nenhum deles apontava qualquer anormalidade;
  • A médica pediátrica teria dito que o bebê morreu por causa de uma bactéria passada por ela;
  • Na ação, o advogado pede uma indenização por danos morais e uma pensão previdenciária vitalícia.

Em entrevista à ISTOÉ, Lauren afirma que tinha 22 anos quando o fato ocorreu. Ela realizou todos os exames de pré-natal na rede pública de saúde e nenhum deles apontou qualquer anormalidade.

Assim que completou 40 semanas de gestação, ela sentiu fortes dores e resolveu procurar a Maternidade Municipal Alice Campos Machado. No local, uma médica realizou o exame de toque e afirmou que o bebê não iria nascer naquele momento. Então a profissional teria pedido para que Lauren comesse algo para realizar o procedimento que escuta o coração do bebê.

“Me dirigi até a lanchonete da maternidade. No meio do caminho, fiquei com vontade de fazer xixi e fui ao banheiro. Nesse momento, a minha bolsa estourou”, explica Lauren. Ela ainda continuou sentindo muita dor, mas não tinha dilatação, por conta disso, teve de receber medicações intravenosas.

“A médica disse para eu esperar porque ainda não tinha como fazer o parto normal. Se passaram 31 horas e nada. Eu achei estranho e questionei a médica, mas ela disse que eu poderia ficar até 48 horas assim. Como eu ainda estava sentindo muita dor, não conseguia comer nada”, afirma.

No dia 25 de julho, uma enfermeira obstetra foi averiguar a situação de Lauren e, nesse momento, constatou que os batimentos cardíacos do bebê estavam fracos. Na sequência, acionou uma médica, que pegou um aparelho para ouvir o coração de Rafael. “Ela disse que o equipamento poderia estar com defeito e resolveu testar outro. Foram três aparelhos ao todo. A enfermeira chegou a testar o equipamento em outra mulher, que estava no mesmo quarto que eu, e conseguiu ouvir o coração do bebê dela”, ressalta.

Ainda de acordo com Lauren, a médica que ordenou para que a paciente fosse levada para a sala de cirurgia. “Eu fui andando até a sala de cirurgia de camisola. No decorrer do trajeto, as enfermeiras ficavam gritando no meu ouvido para eu correr, porque senão eu iria matar o meu filho”, completa.

Ela estava acompanhada do pai do bebê, que teria sido proibido de entrar na sala cirúrgica. No local, Lauren recebeu anestesia geral e adormeceu. Quando acordou, na madrugada do dia 26 de julho, viu uma médica pediatra com o seu filho recém-nascido morto nos braços. A profissional teria dito para a paciente que a causa da morte seria uma bactéria que ela supostamente passou para o filho.

“A médica ainda perguntou se eu queria segurar o meu filho. Mas eu ainda estava sonolenta por causa da anestesia e perguntei se poderia fazer isso depois. Porém não trouxeram ele de novo”, afirma.

“Depois, eu ainda fui colocada em um quarto onde tinham diversas mães com os seus bebês recém-nascidos. Não recebi nenhum tipo de auxílio do hospital, nem psicológico. Eu só consegui ver o meu filho de novo no necrotério do hospital”, completa. O boletim médico constatou que a causa da morte foi edema pulmonar e anoxia perinatal (deficiência de oxigênio para o feto).

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Lauren chegou a ir ao velório do filho, mas ficou apenas 30 minutos no local. Na manhã do dia 26 de julho, o pai da jovem foi à Delegacia de Polícia de Embu das Artes e registrou um boletim de ocorrência. Em nota enviada à ISTOÉ, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) confirmou a notificação do caso e ressaltou que ele foi investigado como morte suspeita, “sem a conclusão definitiva a respeito da causa efetiva da morte. Na ocasião, a autoridade policial ouviu as partes envolvidas e analisou laudos periciais para o esclarecimento dos fatos. Em junho deste ano o caso foi relatado, retornando à unidade policial no mês seguinte para novas diligências, a pedido do Ministério Público”, completou.

Já o MP comunicou que a Promotoria de Justiça de Embu das Artes “oficiará a Delegacia de Polícia com cópia do Boletim de Ocorrência, solicitando informações acerca de procedimento instaurado”.

Abertura de dois processos

Alguns meses após a morte de Rafael, Lauren conta que decidiu procurar um advogado. “Eu me dei conta de que não foi correto o atendimento que recebi na maternidade e, então, resolvi procurar o advogado Rogério Righi Campos e entramos com um processo. Fizemos isso para que outras mulheres não passem pela mesma situação e que os responsáveis paguem pelos seus atos”, destaca.

Segundo a jovem, após o ocorrido, ela procurou um psicólogo e psiquiatra na rede pública de saúde. Diagnosticada com depressão e ansiedade, ela passou a fazer uso de medicamentos. “Depois, eu consegui um emprego e faltei em duas sessões. Por conta disso, perdi o direito de ter esse acompanhamento. Agora eu estou procurando um psicólogo pela rede privada”, conta.

À ISTOÉ, o advogado Rogério Righi informou que deu entrada no processo por erro médico em 16 de setembro de 2019. Na ação, o advogado Rogério Righi pede uma indenização por danos morais e uma pensão previdenciária vitalícia no valor de dois salários mínimos para que Lauren possa ter acesso a um tratamento psicológico.

No entanto a defesa de Lauren reclama da demora no andamento do processo, que conforme o advogado, ainda não teve nenhuma audiência marcada. “Os processos ainda estão parados na 3ª Vara Judicial de Embu das Artes. Já mandei diversos e-mails para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) informando o que está acontecendo, que o estado está cometendo uma violação, porque todos têm direito ao procedimento jurisdicional”, explica.

Ainda de acordo com a defesa, uma das médicas envolvidas no caso estaria inativa no Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). Por conta disso, o advogado também entrou com uma ação na instituição.

Em nota à ISTOÉ, o Cremesp confirmou que uma das médicas estava com o cadastro inativo no órgão por não ter apresentado o seu diploma. “Mas isso não é empecilho, já que para fazer a inscrição o médico pode apresentar a declaração de colação de grau e, posteriormente, o diploma. Ela não o fez no prazo, mas, depois, regularizou a situação”, explica.

O portal também procurou o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para questioná-lo a respeito da suposta demora no andamento dos processos. O órgão afirmou que “os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento”.

O que diz a prefeitura?

O portal entrou em contato com a Prefeitura de Embu das Artes, que é a responsável pela Maternidade Municipal Alice Campos Machado, para comentar o caso, mas não obteve resposta até o momento.

O espaço permanece aberto para manifestação.

Violência obstétrica

Atualmente, Lauren está em um outro relacionamento e relatou que tem vontade de ter outro filho, mas, no momento, ainda sente medo de que pode passar pela mesma situação de novo. Por conta de tudo que passou, a jovem decidiu se inscrever no curso de psicologia. “Já estou no quinto semestre, terceiro ano. Resolvi fazer o curso para ajudar outras mães que perderam o seus filhos a passarem pelo luto”, finalizou.

No Brasil, as pesquisas nacionais sobre violência obstétrica divulgadas até o momento são antigas e com bases de dados diferentes. Um levantamento de 2010, da Fundação Perseu Abramo, apontou que uma em cada quatro mulheres sofre violência obstétrica.

Já em 2021, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou o levantamento “Nascer no Brasil”, que mostrou que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofrem violência obstétrica, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) a taxa é de 45%. Os dados, no entanto, são baseados em pesquisas realizadas em 2011 e 2012.

Em março deste ano, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão especial para analisar o aumento de denúncias sobre violência obstétrica no Brasil em 2019.

A criação da comissão foi sugerida pela deputada federal Soraya Santos (PL-RJ) e, depois, aprovada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). De acordo com a parlamentar, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência registrou 116 relatos de violência obstétrica nos primeiros seis meses de 2019, ante 15 casos no mesmo período de 2018.