Em um contexto histórico sem precedentes, as taxas de fertilidade globais estão em uma encruzilhada. Pela primeira vez, a humanidade se encontra no limite da taxa de reposição populacional estabelecida em 2,1 filhos por mulher. Quando essa proporção cai abaixo de 2, tem início um fenômeno peculiar: o número de pessoas no mundo começará a diminuir. Estudos indicam que até o ano de 2100, cerca de 97% dos países enfrentarão essa realidade. A única exceção a essa tendência é um grupo de países no continente africano.

O cenário atual revela um contexto em que ter filhos torna-se cada vez mais desafiador. O casamento acontece mais tarde, o acesso a métodos contraceptivos está cada vez mais fácil e as mulheres estão mais presentes no mercado de trabalho. A combinação desses fatores explica a resistência africana ao declínio populacional.

De acordo com Luciano Gomes dos Santos, professor de Ciências Sociais da Faculdade Arnaldo Janssen, de Belo Horizonte, “a dinâmica populacional global está passando por transformações significativas devido a fatores sociais, econômicos e culturais que afetam a decisão dos casais em ter filhos. Em um mundo onde a educação e a liberdade se tornaram mais permissivas, muitos jovens optam por não ter filhos, pois percebem a responsabilidade e o esforço econômico envolvidos na criação de uma família”.

Embora a diminuição populacional traga um impacto significativo, especialmente em relação à força de trabalho e à economia, alguns países já estão agindo para enfrentar esse desafio iminente.

O Japão investiu US$ 25 bilhões em incentivos para casais que desejam ter filhos. O objetivo é garantir a sustentabilidade demográfica e a continuidade da sociedade japonesa.

Olhando para o futuro, as projeções são surpreendentes. Estima-se que até o ano de 2050, uma em cada seis pessoas no mundo terá mais de 65 anos, em comparação com uma em cada onze pessoas, em 2019. Essa mudança drástica na estrutura etária traz desafios para a previdência e uma nova realidade à dinâmica econômica global.

População da terra começa a cair
“O maior desafio é criar três seres humanos nesse mundo. Isso é desafiador”, diz Thaís Isac, educadora física, mãe de Guilherme, Liz e Gabriel (Crédito:Silvia Zamboni )

No Brasil estima-se que, até o ano de 2035, o número de aposentados será maior do que o número de pessoas ingressando no mercado de trabalho. Essa transformação demográfica trará consequências sociais e econômicas profundas.

Segundo o professor, elas ameaçam os sistemas de previdência social: “Com menos pessoas trabalhando e contribuindo, surge a preocupação de como garantir o pagamento dos benefícios previdenciários para aqueles que trabalharam a vida toda”.

Dentro dessa nova era, é possível observar casais que fizeram escolhas distintas e que retratam a realidade atual. Alguns optaram por não ter filhos, como Bárbara Araujo, publicitária, e Rafael Kodato, chef de cozinha. Juntos há três anos e casados há dois, o casal se uniu justamente por compartilhar dessa vontade.

“Nenhum de nós dois tinha esse objetivo na vida. Nos concentramos em investir a energia e o dinheiro em nosso crescimento pessoal”, conta Bárbara.

O casal de publicitários Danielle e Eduardo Bonnato é outro exemplo. “Nos casamos aos 23 anos, praticamente no início de nossas carreiras. Nosso plano era casar e viver juntos. A gente sempre se enxergou como uma família, não precisávamos ter filhos para ter uma estrutura familiar completa”, diz Danielle. “O tempo passou, a idade chegou. Quando fui pensar mais sério na maternidade já estava com 38 anos. Para a mulher é cruel. Se quisesse ter filhos, teria que apelar para tratamentos. Não quisemos e não nos arrependemos. Vivemos nossa rotina com tranquilidade. Estamos juntos há 22 anos, o que comprova que a gente sempre se sentiu uma família”, afirma a publicitária.

População da terra começa a cair
“Nos concentramos em investir a energia e o dinheiro em nosso crescimento pessoal”, diz Bárbara Araújo, publicitária, ao lado do marido, Rafael Kodato, chef (Crédito:Rogério Albuquerque)

De maneira geral, no entanto, ainda há partes mais conservadoras da sociedade brasileira que ainda não aceitam muito bem essa configuração, É comum ver casais que optaram por não terem filhos serem obrigados a se explicar ou se verem submetidos a questionamentos e juízos de valor, mesmo que essa seja uma tendência mundial.

Por outro lado, existem casais que optam por ter uma família mais numerosa, enfrentando desafios e oportunidades únicas no cuidado e educação de seus filhos. A educadora física Thaís e o comerciante Eduardo Isac estão nesse grupo. “Ser mãe de três é uma verdadeira bênção. Mas há muitas dificuldades, perigos e complicações. Certamente, isso tem um custo, mas acredito que esse não é o maior desafio. Na minha opinião, o maior problema é realmente criar três seres humanos nesse mundo, cada um com suas próprias características e personalidade. Isso é algo que demanda muito esforço e amor”, revela Thaís.

Com um estilo de vida mais voltado para a religião, a professora Angélica e o advogado Rodrigo Santiago não evitam a gravidez. “Temos seis filhos vivos e perdemos dois. Como católicos, não usamos contraceptivos. Mas é claro que, como qualquer outra família, enfrentamos desafios. É por isso que, em relação à questão financeira, levamos uma vida simples”, afirma Angélica.