Pontos para entender a crise que atinge o presidente da Guatemala

Pontos para entender a crise que atinge o presidente da Guatemala

Milhares de guatemaltecos saíram às ruas no fim de semana para exigir a renúncia do presidente conservador Alejandro Giammattei, a quem acusam de negligenciar o combate à pobreza e setores como saúde e educação.

Apesar do tom pacífico da maioria dos protestos, um grupo de cerca de 100 manifestantes incendiou parte do prédio do Congresso no sábado.

Confira alguns pontos para entender a origem dessas manifestações e para onde estão indo.

1. Um país com mais da metade da população pobre

Os protestos surgiram porque diversos setores da população guatemalteca consideraram que o orçamento aprovado para 2021 não prioriza o combate à pobreza, que atinge 59,3% dos quase 17 milhões de habitantes, segundo dados oficiais.

O orçamento, elaborado pelo Executivo e que atinge a cifra recorde de 12,8 bilhões de dólares, foi aprovado pelo Congresso, em sua maioria pró-governo.

As críticas se concentram no aumento da despesa pública com o desenvolvimento de infraestruturas, em benefício das construtoras, deixando de lado o combate à pobreza, a educação e a saúde, quando a pandemia deixa mais de 4.000 mortos e quase 120.000 infecções no país.

Especialistas apontam que os distúrbios são uma resposta ao cansaço da população diante de um “sistema estrutural de corrupção”, como disse à AFP Carmen Aída Ibarra, diretora da organização Pro Justicia, e à falta de transparência no manejo da pandemia.

A Guatemala também foi recentemente atingida pelos ciclones Eta e Iota. Muitas comunidades permanecem isoladas por deslizamentos de terra e pela destruição de pontes e estradas.

2.Acusações de corrupção

“O orçamento não priorizou o combate à pobreza, educação, saúde ou combate à desnutrição infantil (que atinge quase 50% das crianças menores de cinco anos), mas priorizou ministérios acusados de corrupção, como as Comunicações”, lamentou Edie Cux, diretora da Acción Ciudadana, um braço local da Transparência Internacional.

Soma-se a isso a falta de transparência na gestão dos recursos destinados à pandemia e a rejeição à criação de um superministério liderado por pessoa próxima ao presidente Giammattei.

O Congresso aprovou empréstimos de mais de 3,8 bilhões de dólares para atender à pandemia, mas apenas 15% desses recursos chegaram aos guatemaltecos, segundo dados oficiais e de auditores da Oenegés.

“Este grande sistema de corrupção não é atacado”, afirmou Ibarra, lembrando que só houve avanços neste campo quando funcionou a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), entidade da ONU que funcionou de 2007 a 2019.

3. Não é a primeira vez para um presidente

O trabalho conjunto do Ministério Público com a Cicig revelou em 2015 um caso de fraude aduaneira que levou à renúncia do então presidente Otto Pérez e de sua vice-presidente Roxana Baldetti (2012-2015), ambos presos e aguardando julgamento.

O próprio Giammattei passou mais de 10 meses na prisão em 2010 após ser acusado da execução de sete presidiários em 2006, quando era diretor do sistema prisional. Ele foi libertado depois que a promotoria não conseguiu provar sua participação no caso.

4. Para onde vai essa crise?

Os protestos na Guatemala seguem uma recente crise política no Peru, que começou com a destituição de um presidente, a renúncia de outro cinco dias depois e a nomeação de um terceiro, em meio a manifestações.

O Chile também tem sido palco de manifestações exigindo reformas para reduzir a desigualdade. Giammattei disse que invocará a Carta Democrática Interamericana em face do que considera uma ameaça ao seu “legítimo exercício de poder”.

O cientista político Renzo Rosal disse ao jornal La Hora que este diploma não é aplicável nesta situação porque tudo está dentro dos canais da Constituição da Guatemala, que estabelece “desde a manifestação pacífica, o uso do recurso de protesto, incluindo o apelo à renúncia do presidente Giammattei”.

Para Cux, os protestos mostram um enfraquecimento do governo. Ibarra, por sua vez, acredita que isso afeta o governo Giammattei, mas que seu governo “não está caindo”.

Apesar dos apelos ao diálogo feitos pelo presidente, Ibarra acredita que ele não desiste do “tom de conflito que mantém desde o início de seu mandato”, em 14 de janeiro.