O presidente eleito, Jair Bolsonaro, não deixa dúvidas sobre seu desejo de seguir os passos do presidente dos EUA, Donald Trump, na política externa. Mas o Brasil não é os Estados Unidos, lembram analistas. O preço que a superpotência pode pagar por suas opções na cena internacional pode ser alto demais para um país emergente. E o custo pode recair sobre a recuperação da economia brasileira.

“O alinhamento com os Estados Unidos não é uma novidade”, disse a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faap, Fernanda Magnotta. “A novidade é que o futuro governo é declaradamente trumpista.” Ela identifica três traços em comum entre a política de Trump e a que aparentemente será adotada por Bolsonaro.

O primeiro é o antiglobalismo, que aparece nos questionamentos que a equipe do futuro governo faz a acordos no âmbito da ONU, como o do clima e o das migrações. O segundo é o bilateralismo, a busca por acordos de país a país na suposição de que isso trará maiores vantagens do que se o Brasil se mantiver como parte do Mercosul. O terceiro é o ocidentalismo, a visão de que o Brasil deve se alinhar com países com valores políticos, culturais e religiosos do Ocidente.

Essas linhas, que estão presentes em postagens e artigos escritos pelo futuro chanceler, Ernesto Araújo, e em posicionamentos do futuro presidente, podem criar embaraços para as exportações e a atração de investimentos estrangeiros. E isso bate de frente com a estratégia de recuperação traçada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “Eu vejo que pode haver um problema de governança.”

“O conflito já está instalado”, disse Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV. Ele apontou dois movimentos para conter possíveis estragos do grupo mais ideológico do futuro governo ao comércio exterior. O primeiro vem do núcleo econômico, que busca reduzir a área de influência do Itamaraty no tema. O segundo, do núcleo militar, capitaneado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, que busca acalmar interlocutores internacionais em relação a posicionamentos mais radicais.

Apesar da possibilidade de esvaziamento da parte econômica do Itamaraty, os organogramas que estavam sendo construídos pela equipe de transição mantinham a divisão de tarefas que existe hoje. O Ministério da Economia, que vai absorver o de Indústria, Comércio Exterior e Serviços, cuidará das estatísticas do comércio exterior e da interlocução com o setor privado. Já a negociação em si continuará com o Itamaraty.

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A área de Guedes fica com a secretaria executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), colegiado de ministros que toma as decisões mais importantes, como a autorização para negociar acordos na Organização Mundial do Comércio (OMC). Já o Itamaraty continuará com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Se essa engrenagem vai funcionar de forma harmônica, nem os mais otimistas integrantes da equipe de transição garantem.

Agronegócio. A linha trumpista pode causar problemas por causa dos questionamentos ao aquecimento global e ao Acordo do Clima da ONU. O desmatamento é uma bandeira usada no mercado internacional contra a venda de produtos brasileiros, principalmente os do agronegócio. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, expressou preocupação. “Você criar um ambiente ruim (no mercado) significa criar um ambiente ruim para nossas empresas.”

Existe também o risco de haver redução das vendas aos países árabes, que importam principalmente açúcar e carnes, por causa da ideia de mudar a embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém. É um mercado de US$ 13 bilhões. Além disso, os fundos soberanos desses países, grandes produtores de petróleo, têm interesse em financiar infraestrutura no Brasil.

O núcleo mais ideológico da equipe de Bolsonaro também mostra desconfiança em relação à presença chinesa no Brasil. “Eles agem como se os Estados Unidos pudessem compensar o que a China é para o Brasil”, disse Stuenkel. “Esse mundo não existe mais.”

Para o embaixador José Alfredo Graça Lima, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, é “impossível” o Brasil ter a mesma política externa dos EUA. “Por mais que haja afinidade, química, as pautas são diferentes”, afirmou. “O Brasil não escolheu o multilateralismo pela beleza, mas porque tende a se beneficiar com ele. O País não é um polo de poder.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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