ROMA, 29 JUL (ANSA) – Em meio a uma comoção nacional, a Itália realizou nesta segunda-feira (29) o funeral do policial militar Mario Cerciello Rega, 35 anos, assassinado por dois turistas americanos durante uma abordagem na última sexta (26).
A cerimônia fúnebre ocorreu na Igreja de Santa Croce, na cidade de Somma Vesuviana, a mesma onde Rega havia se casado um mês e meio atrás. O crime chocou a Itália e dominou as manchetes no país durante os últimos três dias, virando também motivo de embate político. Veja abaixo alguns pontos para entender o caso: O homicídio – Segundo a reconstrução da polícia, os americanos Elder Finnegan Lee, 19 anos, e Gabriel Christian Natale-Hjorth, 18, haviam furtado a mochila de um italiano em Roma e pedido 100 euros e um grama de cocaína para restituí-la.
Os turistas teriam se irritado ao perceber que haviam comprado aspirina moída no lugar da droga e tentado chantagear o suposto traficante, que decidiu denunciar o furto da mochila.
A polícia armou uma emboscada para prender os americanos, e Rega, que estava à paisana, fazia parte da operação. Mas a abordagem rapidamente se transformou em uma briga, e o carabineiro acabou esfaqueado 11 vezes.
Pontos obscuros – As linhas gerais do assassinato já foram reconstruídas pelos investigadores, mas ainda restam dúvidas sobre tudo o que ocorreu antes de Rega levar a primeira facada.
Uma delas é o motivo que teria levado um suposto traficante a se dirigir à polícia por causa de uma mochila. Um vídeo de câmera de segurança mostra os dois americanos conversando com Sergio Brugiatelli, homem de 47 anos descrito pelos jornais italianos como uma espécie de “corretor” de pequenos traficantes, fazendo o papel de “mediador” entre compradores e vendedores de droga.
Brugiatelli teria indicado um traficante aos jovens, mas a dinâmica da negociação é incerta. O que se sabe é que os americanos ficaram com a mochila do “mediador” ao perceber que haviam sido enganados.
Brugiatelli fez duas chamadas à central da Arma dos Carabineiros para reaver sua mochila, que continha um celular, documentos e dinheiro. Aqui a história fica novamente confusa. Alguns jornais chegaram a divulgar que Brugiatelli era informante de Rega e Andrea Varriale, o outro policial que participou da fatídica operação, mas a Arma dos Carabineiros desmentiu essa informação.
A suspeita é que o “mediador” não tenha contado o motivo do furto aos dois policiais, que, no escuro sobre a real situação, teriam ligado para o celular de Brugiatelli, que estava na mochila, para combinar com os americanos o local do “resgate”.
Em depoimento à polícia, Varriale disse que os dois se identificaram imediatamente e que, em seguida, os americanos tentaram fugir. Os carabineiros conseguiram bloqueá-los, e teve início uma briga. Neste momento, Lee sacou uma faca e atingiu Rega 11 vezes, conseguindo escapar com o amigo.
Lee e Natale-Hjorth foram presos em seu hotel, quando estavam prestes a voltar para os EUA.
“Norte-africanos” – Tanto Varriale quanto Brugiatelli disseram em seus primeiros depoimentos que os dois suspeitos eram “norte-africanos”, o que engloba uma região que vai do Marrocos ao Egito.
Apesar da falta de precisão desse termo, ele passou a circular sem questionamentos pela grande imprensa italiana e virou arma da extrema direita, que viu no caso mais uma oportunidade de atacar as migrações. “Um carabineiro de 35 anos foi assassinado por dois magrebinos. Sinto muita raiva e profunda tristeza, a Itália não pode mais ser o destino dessas bestas”, disse a deputada extremista Giorgia Meloni.
Não tardou, no entanto, para se descobrir que os autores eram dois americanos brancos. Lee desferiu as facadas, enquanto Natale-Hjorth é considerado cúmplice. Ambos são de São Francisco, na Califórnia. O segundo estava na Itália havia algum tempo para visitar parentes, enquanto o primeiro se juntou a ele sucessivamente.
A venda – A polêmica sobre a falsa origem norte-africana dos suspeitos logo foi suplantada por outra controvérsia: a foto que mostra Natale-Hjorth vendado em uma delegacia, criticada até pelo primeiro-ministro Giuseppe Conte.
“A Itália é um Estado de direito. Temos princípios e valores consolidados. Evitemos surfar na onda das reações emotivas, levando em conta que nossa legislação, em caso de homicídio doloso, já contempla a pena perpétua”, disse.
“Não há nenhuma dúvida de que a vítima dessa tragédia é o nosso Mario. Convido todos a considerar, no entanto, que a Arma fez bem em identificar o responsável por esse tratamento impróprio.
Reservar tal tratamento a uma pessoa privada da liberdade não corresponde aos nossos princípios e valores. Pelo contrário, configura os limites de um crime’, acrescentou.
A Itália já foi condenada pela Corte Europeia dos Direitos Humanos por tortura por parte da polícia e tratamento desumano contra detentos, como no caso da americana Amanda Knox, interrogada sem tradutor e advogado e mais tarde absolvida do assassinato de Meredith Kercher. (ANSA)