Polícia identifica indícios de fraude em operação de R$ 150 milhões com CRIs

Investigação aponta que empresa teria sido usada para desvio de recursos de investidores para construção de resort na Serra Gaúcha

Piscina do resort Golden Laghetto
Piscina do resort Golden Laghetto Foto: Reprodução

A Polícia Civil de São Paulo identificou indícios de fraude em uma operação financeira de R$ 150 milhões destinada à construção do resort Golden Laghetto, na Serra Gaúcha. O valor foi captado por meio da emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), com a promessa de retorno baseado nas vendas futuras do empreendimento. Relatório preliminar da investigação, conduzida pelo 15º Distrito Policial da capital paulista, pede a quebra de sigilo bancário e fiscal de duas empresas ligadas ao caso: Golden Laghetto Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. e LGM Participações Ltda. A suspeita é que parte do dinheiro tenha sido desviada de forma fraudulenta, gerando prejuízo às centenas de investidores que adquiriram os títulos emitidos pela Forte Securitizadora (Fortesec), responsável por estruturar a operação financeira.

A Polícia Civil de São Paulo abriu investigação em 23 de setembro de 2024, após uma denúncia feita pela Fortesec sobre a operação que viabilizou a construção do resort Golden Laghetto, na Serra Gaúcha. Segundo a denúncia, os repasses de valores previstos em contrato foram interrompidos, causando um prejuízo estimado em R$ 150 milhões. O inquérito apura suspeitas de furto por meio de fraude eletrônica e outros crimes relacionados.

A operação foi montada em 2021 como uma forma de captar dinheiro no mercado por meio dos CRIs. Esses certificados são títulos vendidos a investidores que, na prática, emprestam recursos a um empreendimento imobiliário em troca de receber o valor de volta com juros, com base nas vendas futuras dos imóveis. Para garantir esses pagamentos, foi criada uma conta bancária exclusiva — chamada de conta centralizadora — que deveria receber todo o dinheiro obtido com a venda das unidades do resort. A gestão dessa conta estava inicialmente a cargo do Grupo WAM, com sede em Caldas Novas, conforme acordado em contrato.

Mas, de acordo com o relatório da Polícia Civil, a WAM foi substituída sem aviso ou autorização da Forte Securitizadora. Quem assumiu a função foi a LGM Participações Ltda., uma empresa recém-criada em dezembro de 2022. A troca é considerada um dos pontos centrais da suspeita de fraude, já que a criação da LGM ocorreu poucos meses antes de ela começar a gerenciar os recebíveis da operação — o que, segundo os investigadores, levanta dúvidas sobre a real intenção por trás da sua fundação, uma vez que a nova empresa pertence ao mesmo grupo da Golden Laghetto.

“Essa proximidade temporal sugere que a empresa foi criada especificamente para assumir o controle da gestão financeira, levantando suspeitas quanto à sua legitimidade e finalidade”, afirma o relatório policial.

Depois que assumiu o controle da operação, a LGM passou a atuar como intermediária nas vendas dos imóveis e a gerenciar diretamente os recursos que deveriam ir para a Fortesec. Com isso, os valores que estavam destinados ao pagamento de investidores começaram a ser desviados. Estes CRIs contam com cerca de 400 investidores diretos, mas como alguns destes títulos foram adquiridos por fundos de investimento, o total de investidores atingidos pela fraude é muito maior.

Enquanto a investigação criminal segue em andamento, o caso também foi levado à arbitragem — uma forma privada de resolver disputas fora do Judiciário, geralmente escolhida por empresas para tentar acelerar o processo. No entanto, segundo um investidor ouvido pela reportagem, a alternativa não trouxe resultados até agora. “A gente entrou na arbitragem esperando um desfecho rápido. Já são dois anos de silêncio e prejuízo crescente”, afirma ele, que preferiu não se identificar. “Esses títulos foram vendidos como investimento de baixo risco, mas estamos arcando com perdas que ninguém previu.”

O caminho do dinheiro

A investigação da Polícia Civil contou com o apoio de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão que monitora movimentações suspeitas de dinheiro e de documentos entregues pela empresa que denunciou o caso. Com base nessas informações, os investigadores conseguiram rastrear o caminho do dinheiro que teria sido desviado da operação. Entre março de 2023 e maio de 2024, a empresa LGM Participações recebeu 13,1 milhões da Golden Laghetto, responsável pelo resort. No entanto, nesse mesmo período, a LGM repassou apenas R$ 5 milhões para a Fortesec — valor muito abaixo do que estava previsto nos contratos e que deveria ter sido direcionado aos investidores.

“Identificaram-se indícios de operações incompatíveis com o objeto social da empresa [LGM], sugerindo sua utilização como conta de passagem para o desvio de recursos”, destaca o relatório. Além disso, os dados demonstram que a maior parte dos recursos provenientes das vendas do empreendimento foi direcionada à LGM, e não à empresa responsável pela securitização e repasse aos investidores.

“Quando analisados os destinos de recursos da empresa Golden Laghetto Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda., verifica-se que grande parte dos recursos foram direcionados à empresa LGM Participações Ltda., valores estes bem superiores aos direcionados à empresa vítima Forte Securitizadora S.A., o que pode indicar desvio do destino de valores que deveriam ser destinados ao pagamento dos valores investidos pela empresa vítima.”

Recomendação da Polícia

Com base nos dados reunidos, a Polícia Civil de São Paulo recomenda a quebra de sigilo bancário e fiscal das empresas Golden Laghetto Empreendimentos Imobiliários e LGM Participações, com abrangência de janeiro de 2023 a dezembro de 2024. A medida tem como objetivo verificar se os valores recebidos foram devidamente declarados às autoridades fiscais e identificar os destinatários finais dos recursos desviados.

“A continuidade das investigações, mediante o acesso aos dados bancários e fiscais, será essencial para comprovar a destinação criminosa dos valores e identificar os responsáveis pela fraude contra a Forte Securitizadora S.A.”, conclui o relatório.

Ação da WAM

A reportagem também teve acesso ao processo movido pela WAM, empresa responsável por vender as unidades do resort Golden Laghetto, contra os controladores do empreendimento. Na ação, protocolada em dezembro de 2023, a WAM acusa os sócios de promoverem uma manobra para reduzir sua participação societária.

O principal ponto da disputa é uma assembleia realizada em 22 de dezembro, durante o recesso do Judiciário. Segundo a WAM, a reunião foi convocada às pressas, sem documentos contábeis que justificassem as decisões. “A assembleia foi convocada e realizada de forma açodada, sem qualquer justificativa razoável ou apresentação prévia de documentos contábeis e financeiros que subsidiassem as deliberações”, afirma a empresa no processo.

A assembleia aprovou um aumento de capital de R$ 14,7 milhões, com prazo de apenas dez dias úteis para o aporte. Para a WAM, a medida impôs “um fardo excessivamente oneroso” e carecia de informações técnicas e financeiras. No entanto, a comercializadora alega que não foi apresentada qualquer projeção, orçamento ou planejamento financeiro capaz de justificar o aporte pleiteado, tampouco demonstrações contábeis atualizadas da sociedade. “Não há clareza alguma; e sequer é justo que os sócios sejam compelidos a aportar capital sem conhecer a situação patrimonial e o balanço atual da empresa”, justificou.

Outro ponto citado é a substituição da WAM pela LGM Participações, criada, segundo a petição, pelos próprios controladores do resort, “…valendo-se para tanto de usurpação de segredos comerciais e know how das empresas coligadas a esta requerente e que prestavam serviços à Sociedade.”

Procuradas, até a publicação desta reportagem, nenhuma das empresas envolvidas se manifestou.

Reprodução do relatório de investigação financeira preliminar da Polícia Civil:

Reprodução do relatório de investigação financeira preliminar da Polícia Civil:

Reprodução do relatório de investigação financeira preliminar da Polícia Civil:

 

Reprodução do relatório de investigação financeira preliminar da Polícia Civil:

Reprodução do relatório de investigação financeira preliminar da Polícia Civil

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