Uma nova adaptação do clássico inglês ‘O Morro dos Ventos Uivantes’ — que alguns consideram “a maior história de amor de todos os tempos” — chegará aos cinemas no Brasil em 12 de fevereiro, pegando carona no dia dos namorados, data que em partes do mundo é celebrada em 14 de fevereiro.
O novo filme conta com um elenco estrelado, encabeçado por Margot Robbie (Barbie, O Esquadrão Suicida, O Lobo de Wall Street) como a protagonista Catherine, e Jacob Elordi (Frankenstein, A Barraca do Beijo) como Heathcliff.
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Dirigido por Emerald Fennell, o trailer lançado na semana passada promete uma abordagem cinematográfica circunspecta do romance gótico de Emily Brontë, publicado em 1847. E a nova adaptação também chega envolta em polêmicas, como a escolha dos atores protagonistas.
Ambientado nas charnecas de West Yorkshire, na Inglaterra, o trailer sugere erotismo enquanto evoca a sensação de paredes úmidas e corações doloridos por um amor fadado ao fracasso — com angústia suficiente para inspirar qualquer fã do estilo emo. A quantidade de chuva, neblina, neve e olhares sofridos no trailer indica que as coisas não terminarão bem para os amantes desafortunados.
O trailer também apresenta uma nova música, Chains of Love, da estrela pop inglesa Charli XCX, que compôs a trilha sonora do filme — seu primeiro álbum após o sucesso global Brat.
Para quem nunca leu o romance e tem como única referência a música Wuthering Heights, de Kate Bush (1978) — também popularizada no Brasil nos anos 1990 na voz de André Matos, ex-vocalista da banda brasileira Angra —, este é o enredo: Heathcliff é um órfão de Liverpool descrito como “um cigano de pele escura” — termo que, no contexto do Reino Unido do século 19, implicava estrangeirismo ou diferença racial. Ele é acolhido pela família Earnshaw, de pele clara. Heathcliff cria um vínculo com Catherine, que acaba se casando com o rico Edgar Linton para melhorar sua posição social. Heathcliff retorna anos depois, rico e com outra aparência.
O amor de Heathcliff se transforma em vingança, e o vínculo tóxico entre os dois destrói as famílias dos amantes por gerações. Heathcliff demonstra um amor possessivo por Catherine, enquanto usa ameaças, isolamento e humilhação para dominar todos ao seu redor.
História de sucesso até hoje
Emily Brontë morreu aos 30 anos, pouco depois da publicação do livro — seu único romance. A obra recebeu críticas severas, chocando leitores e críticos.
Mas, após sua morte, a reputação do livro começou a mudar, com autores como Virginia Woolf ajudando a consolidar o trabalho de Emily Brontë como uma obra-prima da literatura inglesa.
A história continua ressoando ao longo dos anos, levando a pelo menos 14 grandes adaptações cinematográficas, além de séries de TV, peças teatrais — e até um filme de Bollywood (a poderosa indústria cinematográfica indiana).
Por que essa narrativa ainda fascina os espectadores hoje? Uma razão pode ser que o voyeurismo não perdeu seu apelo.
“Ela conecta esses clichês de romance e de final infeliz com um nível de agressão e violência que o livro descreve de forma bastante explícita e que ainda é chocante para os padrões atuais. Esse voyeurismo atravessa as eras”, explica Caroline Koegler, professora de literatura inglesa na Universidade Livre de Berlim.
Brontë, diz Koegler, apresenta a violência como algo “horripilante e emocionante ao mesmo tempo”.
Questão negligenciada do racismo
Mas há um aspecto mais problemático no romance que vai além do tema geralmente destacado da diferença de classe social entre os protagonistas.
Heathcliff, que Koegler descreve como “ambiguamente não branco”, é transformado em um monstro — um produto do contexto colonial em que o livro foi escrito — e, infelizmente, parte do que tornava a história interessante na época.
“No início, somos um pouco incentivados a simpatizar com Heathcliff, que foi maltratado pelos irmãos, mas isso é deixado de lado e, durante grande parte da trama, ele é apenas esse atormentador, agressor de pessoas brancas”, explica Koegler.
“Minha interpretação, e a de muitas outras pessoas, é que o romance associa essa violência e agressão a um sujeito racializado, algo que ainda tem peso hoje em dia. Ainda lidamos com uma sociedade que investe em estigmatizar grupos marginalizados e retratá-los como perigosos ou agressivos, quando na verdade são eles que sofrem as consequências.”
Trama
Os romances góticos exploravam temas de medo, incluindo o medo do “outro”, seja um monstro (temas sobrenaturais eram comuns na obra gótica) ou um humano. No famoso romance Jane Eyre, escrito pela irmã de Emily Brontë, Charlotte, também há uma personagem racializada, Bertha, que é repetidamente culpada por coisas que dão errado, refletindo atitudes típicas da era vitoriana.
Quando O Morro dos Ventos Uivantes foi publicado em 1847, o Reino Unido havia tornado ilegal a escravidão há pouco mais de uma década. Nos EUA, entretanto, a escravidão ainda era legal, e muitos britânicos continuavam economicamente ligados a ela por meio do comércio, do algodão e das finanças.
O Morro dos Ventos Uivantes, diz Koegler, traz o medo da inversão de papéis “para assombrar a nação colonizadora branca em uma área rural”. A ideia era inspirar o temor de que um dia “os papéis pudessem se inverter e alguém como Heathcliff agisse como um aspirante a senhor de engenho que tortura e abusa daqueles que dependem dele”.
As adaptações cinematográficas, afirma Koegler, enfrentam o conflito de como ser fiel ao romance “sem replicar essa dinâmica bastante questionável de ter um sujeito racializado culpado por tudo”.
Por isso e por outros motivos, o romance tem sido descrito por diretores como notoriamente difícil de adaptar, com alguns cineastas chamando-o de quase impossível de filmar.
Peter Kosminsky, diretor do filme de 1992, admitiu mais tarde que se arrependeu de fazer sua versão, dizendo que foi “uma adaptação realmente terrível”.
O filme de 2011, dirigido por Andrea Arnold, trouxe a questão racial para o centro, escalando um ator negro para o papel de Heathcliff e mostrando um lado mais humano dele do que no romance de Brontë.
Agora, a escolha de elenco da diretora Emerald Fennell já alimenta debates sobre quão fiel ao livro será o filme de 2026. Margot Robbie, aos 35 anos, é vista como muito velha para interpretar a adolescente Catherine, enquanto Jacob Elordi não parece incorporar a etnia ambígua de Heathcliff.
No início deste ano, a diretora de elenco, Kharmel Cochrane, defendeu as escolhas dizendo que “não há necessidade de ser preciso”, já que o material original é “apenas um livro”. Os puristas podem discordar.