A ex-jogadora de vôlei Ana Moser, medalhista olímpica em Atlanta-1996, deixou o Ministério dos Esportes nesta quarta-feira, após um acordo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Centrão, que entregaram a pasta para André Fufuca (PP-MA). Sem partido e nomeada como cota pessoal de Lula, a ex-atleta tem uma trajetória ligada ao ativismo social.

Sua escolha foi festejada na nomeação pela turma do esporte. Embora tenha sido diretora do Centro Olímpico do Parque do Ibirapuera, parte da estrutura da Secretaria de Esportes de São Paulo, e integrante do Conselho Nacional do Esporte, Ana viveu no Ministério sua primeira experiência maior dentro da política nacional e acabou se despedindo após oito meses no cargo, durante os quais sustentou o discurso de diminuir a desigualdade no acesso à prática esportiva no Brasil e implementar uma política de esporte para todos.

Ana Moser perdeu o posto no momento em que a regulamentação das apostas esportivas apareceu como uma forma de turbinar financeiramente o Ministério dos Esportes, que deve receber um fração do dinheiro recolhido pela taxação das empresas do ramo. A questão das apostas, dividida entre o Esporte e a Fazenda, contudo, não foi a principal pauta da atleta em sua atuação política.

No período em que foi ministra, Ana Moser viveu desconfortos em Brasília, como a polêmica com praticantes de eSports, mas conseguiu concluir projetos como a Lei do Bolsa Atleta para grávidas e se dedicou a passos mais ambiciosos, caso do lobby para trazer a Copa do Mundo de futebol feminino para o Brasil em 2027, o que ainda pode acontecer. Nesses oito meses, viu seu nome ser comentado de lá para cá, sempre como um cargo a ser oferecido nos arranjos do Governo. A pasta ficou mais pesada após a determinação da taxação das empresas de apostas no Brasil.

POLÊMICA COM A COMUNIDADE GAMER

Ana começou a jornada em uma pasta resgatada por Lula após ser reduzida a secretária no mandato do presidente Jair Bolsonaro. Em sua primeira manifestação, ela irritou a comunidade gamer ao dizer que eSports não era uma modalidade esportiva e que fazia parte da indústria do entretenimento. Na ocasião, debateu nas redes sociais com profissionais do meio e defendeu que o Ministério até poderia atuar em políticas relacionadas a jogos eletrônicos, mas em parceria com outros ministérios. Ela também arrumou confusão ao relacionar os eSports ao sedentarismo e isso não estava de acordo com seus pensamentos para a pasta.

“Nós sabemos, isso é uma coisa que não é novidade. Na verdade, foi até bem discutido isso no meio esportivo. O que acontece é que muitas vezes até o meio esportivo pouco fala a respeito, não se posiciona tanto a respeito. Existe uma pressão até grande do próprio business, do próprio negócio em cima e acaba sendo preponderante porque tem uma presença grande em várias redes sociais e acaba tendo um público grande, fazendo um barulho grande frente ao posicionamento do próprio setor esportivo… Tem questões trabalhistas, tem implicações com o turismo, porque é um entretenimento, é uma indústria. Tem questões tributárias, tem uma série de envolvimentos”, disse Ana Moser ao Estadão, em abril, sobre o tema.

APOIO ÀS MULHERES E COPA NO BRASIL

O entendimento de que os eSports não podem ser classificados como esporte impedia que os praticantes dos games tinham benefícios como o Bolsa Atleta, criado durante o primeiro Governo Lula, em 2005. Sem incluir os gamers, o programa foi usado por Ana Moser para atender a uma antiga demanda de atletas mulheres ao determinar a continuidade do pagamento da bolsa para grávidas e puérperas. Até então, ao engravidar e deixar de participar da somatória dos pontos em competições, as atletas deixavam de atender aos critérios para receber o benefício. A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei. Neste ano, 7.868 atletas foram contemplados pelo Bolsa Atleta, maior número desde a criação.

Ana Moser teve o olhar bastante voltado para as mulheres do esporte em sua curta gestão no Ministério. Em março, foi publicado o Decreto 11.458/2023, que institui a Estratégia Nacional para o Futebol Feminino, elaborada pela ex-jogadora e sua equipe. O texto traz diagnósticos sobre o que precisa ser melhorado para desenvolver a modalidade no Brasil e cita problemas de calendário, investimentos, direitos trabalhistas e formação de novos atletas.

“É uma mudança de questões objetivas e uma mudança de cultura, a médio prazo. O movimento tem de ser conjunto. Não se muda cultura de uma hora para outra, tem de ter planejamento”, disse Ana Moser em julho, após voltar de viagem para a Nova Zelândia e a Austrália, onde acompanhou a Copa do Mundo Feminina deste ano, em que o Brasil caiu na fase de grupos e a técnica Pia Sundhage foi demitida.

A ministra voltou da Oceania otimista de que o Brasil pode ser sede do próximo Mundial feminino, uma possibilidade que vinha levantando desde o início de seu trabalho na pasta e apontava como uma oportunidade de alavancar o futebol feminino no País. Chegou a dizer, inclusive, que a candidatura era vista “com muita simpatia” por Gianni Infantino, presidente Fifa.

“Como argumentos para justificar a candidatura, tem a questão da infraestrutura. O Brasil tem uma estrutura muito além do que é necessário para acontecer, construída para a Copa de 2014, mantida e ampliada. Estádios, hotéis, aeroportos… Toda essa estrutura é uma vantagem para a candidatura do Brasil”, afirmou. O ministério preparava a candidatura do Brasil, em parceria com a CBF, para ser entregue até 8 de dezembro.

EXPLICAÇÕES APÓS VETOS À LEI GERAL DO ESPORTE

Durante seu trabalho no Ministério, Ana Moser se envolveu em um desconforto com a Câmara dos Deputados, referente à Lei Geral do Esporte, que unifica todas as normas do esporte brasileiro em um único dispositivo, como Lei Pelé, o Estatuto do Torcedor, Lei de Incentivo ao Esporte e o Bolsa Atleta.

A ex-atleta foi articuladora da nova legislação, antes de ser ministra, atuando como líder da organização Atletas pelo Brasil, que comandava ao lado do ex-jogador Raí, mas se viu do outro lado da moeda ao apoiar os 134 vetos impostos por Lula na hora de sancionar o texto aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado. Ana Moser disse à Câmara que vetar itens foi necessário para fazer com que a nova legislação fosse implementada.

“O governo não vai fazer o que as instituições fazem com excelência: os seus planejamentos, as suas estruturações, o seu trabalho de desenvolvimento das modalidades”, afirmou à época. “Não é uma interferência, mas alinha a uma política macro que tenha um impacto em torno das metas a serem alcançadas.”

Um dos vetos envolveu a parte do texto que tratava da cláusula compensatória de atletas em contratos de trabalho – valor devido pelo clube ao atleta nas hipóteses de rescisão de contrato ou dispensa sem motivo -, após protestos de jogadores de futebol em partidas do Campeonato Brasileiro. O texto previa que as agremiações não precisariam ressarcir jogadores demitidos se eles encontrassem emprego em outra equipe com salário igual ou maior.

A lei também previa a criação da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte), vinculada ao Ministério dos Esportes, mas o ponto também foi vetado pelo presidente Lula. Isso porque, segundo Ana Moser, a criação de órgãos do Executivo deve ser feita mediante projeto de iniciativa do governo. Um novo Projeto de Lei com a proposta para a criação da agência ficou de ser apresentado. Lula também derrubou do texto da criação do Fundo Nacional do Esporte. De acordo com Ana, o veto foi motivado pela falta da previsão de receitas para o órgão.