Indiciado pela Polícia Federal no inquérito que investiga o plano de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro pode ganhar um fôlego em sua defesa antes do julgamento do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar da avaliação de que o processo poderia ser julgado com agilidade, a complexidade do caso e sua influência nas próximas eleições podem empurrar o julgamento para depois de 2026.

Bolsonaro é acusado de integrar a cúpula da trama golpista juntamente com outros 36 suspeitos, incluindo ex-ministros de seu governo e ex-comandantes das Forças Armadas. Para a Polícia Federal, o ex-presidente é o principal elemento no inquérito.

O relatório final, com 800 páginas, foi entregue ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, na quinta-feira, 21. O documento será enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) na próxima semana.

Investigadores da Polícia Federal afirmam que há provas robustas da participação de Bolsonaro na trama golpista. Segundo o relatório, o ex-presidente teria participado da elaboração do decreto de intervenção, dado aval ao plano de tomada de poder e tinha conhecimento da tentativa de ataque ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e ao ministro Alexandre de Moraes.

A complexidade do caso e os vínculos com outros inquéritos envolvendo aliados de Bolsonaro, como o da Abin Paralela, podem fazer com que o julgamento só ocorra após as eleições de 2026. Para o coordenador do curso de Direito da ESPM, Marcelo Crespo, agilizar o julgamento demandaria um esforço excepcional dos ministros do STF e um acordo entre todas as partes envolvidas.

“Todo julgamento realizado por uma corte superior, como o STF, costuma ser mais demorado. Essas cortes não possuem a agilidade necessária para lidar com processos criminais de grande magnitude. Eu arriscaria dizer que essa história não terminará antes das eleições presidenciais de 2026, pois estamos próximos de 2025”, avaliou Crespo.

“Para que um julgamento dessa magnitude fosse concluído em menos de um ano, seria necessário um alinhamento excepcional: ministros comprometidos e em consenso. Mas há uma série de fatores que podem interferir nesse cronograma”, completou.

Embora tenha acompanhado o desenvolvimento do inquérito, a PGR analisará minuciosamente o relatório da Polícia Federal antes de oferecer denúncia contra Bolsonaro. O Ministério Público destaca que precisará de elementos substanciais para formalizar as acusações, além de estabelecer conexões entre o plano golpista e outros casos, como as investigações sobre as joias sauditas e as fraudes no cartão de vacinação.

Para especialistas, o STF seguirá um caminho semelhante. O advogado criminalista Acacio Miranda acredita que a análise detalhada é essencial para evitar contradições no julgamento.

“É fundamental que o processo seja conduzido com rigor técnico para que não restem pontas soltas e todas as narrativas sejam confrontadas. Por isso, as provas estão sendo analisadas minuciosamente, o que justifica um inquérito de 800 páginas. Naturalmente, isso demanda tempo”, afirmou Miranda.

“A PGR levará tempo para examinar o relatório. Provavelmente, denunciará os envolvidos ou pedirá mais diligências à Polícia Federal. Só após isso o julgamento começará no STF, que já possui uma pauta complexa. É pouco provável que esse julgamento aconteça antes de 2026”, completou.

Impacto nas eleições de 2026

Uma eventual condenação de Bolsonaro em 2025 poderia ampliar ainda mais sua inelegibilidade. Atualmente, ele está inelegível até 2030, mas uma sentença no STF poderia estender essa condição por até 30 anos.

Para o advogado especialista em Direito Eleitoral Luiz Eugênio Scarpino Júnior, no entanto, o impacto direto nas eleições de 2026 será limitado. Ele acredita que o caso pode ser encerrado antes do pleito, mas lembra que o ex-presidente já está impedido de concorrer devido a outras condenações.

“Com relação aos fatos na tentativa de golpe de janeiro de 2023 em que o ex-presidente Bolsonaro estaria envolvido , por enquanto seria prematuro considerar qualquer efeito imediato com relação às eleições de 2026 pois nem denúncia criminal nós temos; ainda assim , tramitando o processo no âmbito do STF, não seria inviável a sua conclusão antes de outubro de 2026 – sendo que eventual condenação criminal pelo STF já seria uma causa de inelegibilidade.”, explicou Scarpino.

“Sobre outros fatos no âmbito eleitoral, o ex-presidente já foi condenado no qual trouxe impedimento de concorrer nas eleições, sendo que já está inelegível, independente dessas imputações”, concluiu.

Mesmo assim, especialistas e alguns membros do STF demonstram preocupação com o impacto do julgamento nas eleições de 2026. Em um cenário político altamente polarizado, qualquer movimentação pode interferir no andamento do processo.

Para o cientista político Elias Tavares, a eleição presidencial pode se transformar em um plebiscito sobre o julgamento de Bolsonaro. Ele acredita que o ex-presidente poderá adotar uma estratégia semelhante à de Lula em 2018, ao lançar um substituto político enquanto mantém sua influência ativa.

“A polarização será intensificada, e o julgamento pode transformar a eleição em um plebiscito sobre Bolsonaro, desviando o debate de temas centrais para questões judiciais.”, avaliou Tavares.

“É provável que Bolsonaro adote estratégias semelhantes às de Lula em 2018. Ele pode recorrer a todas as instâncias disponíveis para questionar decisões judiciais e manter seu nome politicamente ativo pelo maior tempo possível. Entretanto, Bolsonaro enfrentará um cenário diferente. Em 2018, Lula tinha um sucessor forte e com apelo popular (Fernando Haddad). No caso de Bolsonaro, sua base política ainda não tem um nome consolidado para herdar seu eleitorado”, concluiu.